As mãos dos escravizados na construção do Jardim Botânico
- Virgilio Virgílio de Souza
- 30 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
O mais belo Jardim da cidade, remonta a chegada
da corte portuguesa ao Brasil entre 1808 e 1821.
Mais uma página de nossa história passada a limpo. Foi inaugurado nessa sexta-feira (29), o memorial das Mãos Negras, que fica localizado no interior do Jardim Botânico. Uma inauguração emblemática, pois o bairro é um dos mais sofisticados da cidade, onde reside um número considerável da mais fina flor da elite carioca. A inauguração não aconteceu por acaso. Ali, numa área ocupada pela Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -, entre os anos de 1979 e 1981 foram encontradas ossadas que eram exatamente de ex escravizados e, descobre-se agora, que eles, verdadeiramente, foram os responsáveis por cada detalhe, toda beleza e diversidade daquele espaço.
iniciativa é louvável, pois fará a sociedade tomar conhecimento de mais uma página de nossa história até aqui não revelada, e silenciada. Fazer o apagamento da contribuição do povo negro na edificação de cada esquina, praça, monumento dessa cidade e desse país tem sido uma prática constante por parte de uma parcela de nossas elites. Diria o aclamado samba da Mangueira, campeão do carnaval de 2018, “Brasil, meu nego, deixa eu te contar a história que a história não conta, o avesso do mesmo lugar, na luta é que a gente se encontra" e prossegue: "Brasil, meu dengo A mangueira chegou Com versos que o livro apagou Desde 1500 Tem mais invasão do que descobrimento Tem sangue retinto pisado Atrás do herói emoldurado”. Nesse sentido, o objetivo do Memorial é recontar a história, reconhecer e visibilizar a potencialidade dos escravizados – crianças, mulheres e homens -, cujos nomes sofreram um apagamento por quem escreveu nossa história.

Além de políticos e da ministra Marina Silva, representas de diversos segmentos sociais se fizeram presentes à inauguração do Memorial
O Memorial tem uma bela estrutura e disponibiliza placas informativas sobre a história dos trabalhadores negros e o contexto da construção do Jardim. No interior do memorial, numa grande pedra de mármore, foram colocados os nomes dos operários que passaram por ali e edificaram o Jardim na primeira metade do século XIX. O local conta também com um espaço expositivo para artistas negros. Para compor tudo isso, foi instalado bancos para contemplação, com jardineiras integradas, compostas por plantas ritualísticas e africanas, escolhidas para valorizar a ancestralidade e as tradições culturais afro-brasileiras.
A inauguração foi prestigiada por pessoas dos mais diferentes segmentos da sociedade – representantes de movimentos negros, lideranças religiosas, estudantes, professores e políticos. A ministra Marina Silva do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o babalaô Ivanir dos Santos e o presidente do Jardim Botânico foram alguns que compuseram a mesa de inauguração. O evento contou, ainda, com um culto inter-religioso onde lideranças, independentemente da fé que professam, falaram da importância de se homenagear e preservar a importância do negro em nossa história.
Sergio Besserman, presidente do Jardim Botânico, afirmou que o Memorial representa um ato de reparação às pessoas escravizadas:
- O Jardim Botânico é a primeira instituição federal que pede desculpas e, mais do que isso, formaliza seu respeito, sua admiração, sua gratidão às pessoas negras escravizadas que não apenas construíram e plantaram, mas também foram a primeira fonte de conhecimento botânico do Jardim

Marina Silva e Ivanir dos Santos cortam a fita que marca a inauguração do monumento
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que é evangélica, afirmou que a inauguração é uma demonstração de respeito ao povo negro, que foram decisivos na construção do país: “O Brasil, através da presidência da República, recentemente pediu formalmente desculpas ao povo preto africano escravizado. As nossas riquezas foram construídas graças à força de trabalho do escravizado” - afirmou. Já o professor e babalaô Ivanir dos Santos destaca a importância da iniciativa.
- Um memorial que trata da memória dos escravizados que foram os primeiros botânicos que construíram o Jardim Botânico na zona sul do Rio de Janeiro é magnífico, algo mesmo extraordinário. Reverenciar essa memória, essa história, esse legado, essa cultura é algo que faz que tenhamos um país de pertencimento de todos. Vamos dar continuidade a esse acontecimento e ter aqui, uma pesquisa histórica e arqueológica”.
Relação de escravizados que trabalhavam no Jardim Botânico no início do século XIX, onde provaram que dominavam com primazia a botânica e plantas medicinais. O mapa da África foi criado por esses escravizados no mesmo período
O Maestro e o defensor da eugenia
O maestro e compositor Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927 - 1994), simplesmente conhecido como Tom Jobim, por muitos anos foi um frequentador assíduo do Jardim Botânico. Ali, costumava pensar a vida, se inspirar, compor suas músicas e observar pássaros. Era tão íntimo e ficou tão familiarizado que, após sua morte, em sua homenagem, no interior do Jardim, foi inaugurado o Espaço Tom Jobim. O acervo inclui objetos pessoais, partituras, letras de músicas, correspondências, fotografias, livros, entre outros.
O Brasil é mesmo um país feito de contradições. Próximo, bem próximo ao Jardim Botânico, vamos encontrar a Rua Nina Rodrigues (1862 – 1906), um médico legista, psiquiatra, escritor, antropólogo e etnólogo com estudos significativos em várias áreas. O que o marcou, entretanto, e o que estará carimbado no "passaporte existencial" e em sua trajetória profissional, será a aversão que sempre teve aos pretos e pardos, aos quais achava desprezíveis e inferiores. Em 1894, publicou um ensaio no qual defendeu a tese de que deveriam existir códigos penais diferentes para raças diferentes.
Sua perseguição aos pretos implacável. Defensor da eugenia, acreditava que a inferioridade dos negros — e dos não brancos — seria "um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões e seções" e acrescentava: "no Brasil os arianos deveriam cumprir a missão de não permitir que as massas de negros e mestiços pudessem interferir nos destinos do país"
Nina Rodrigues faz parte de uma parcela de racistas, que certamente passará pelo Jardim Botânico e torcerá o nariz com um memorial em homenagem às mãos pretas. Diante desse racismo dessa elite asquerosa, devemos nos ater a uma bela composição do maestro que ganhou o mundo:
O Brazil não conhece o BrasilO Brasil nunca foi ao Brazil
O Brazil não merece o BrasilO Brazil ta matando o Brasil
Do Brasil, S.O.S. O BrasilDo Brasil, S.O.S. ao BrasilDo Brasil, S.O.S. ao Brasil

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