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Virgilio Virgílio de Souza

As pessoas fazem com que essa cidade se torne encantada


Durante a CPI dos transportes vistoriando os bondinhos de Santa Teresa, ou no Morro do Salgueiro curtindo o Dia de São Jorge, Eliomar se transformou em uma pessoa totalmente integrada à cidade


Eliomar Coelho se transformou num típico cidadão do Rio de Janeiro. Se encantou com a cidade e caiu na graça do carioca. Nascido em Coremas, na Paraíba, onde iniciou os seus estudos, mudou-se para Icó, em Fortaleza, fez o curso científico, em 1969, foi para Brasília formando-se em Engenharia na UNB — Universidade de Brasília. Após formado, fixou residência em São Paulo, onde trabalhou por dois anos e, em 1974, finalmente, se mudou definitivamente para o Rio, de onde nunca mais saiu.

Sempre combativo, sua firmeza, dedicação e seriedade fez com que conseguisse se eleger vereador para a Câmara Municipal por sete mandatos, elegendo-se ainda em duas ocasiões como deputado estadual. Enquanto vereador, foi vice-presidente para a América do Sul do Grupo Mundial de Parlamentares para o Habitat, entidade ligada a ONU.

Iniciou sua trajetória política no PT, partido que ajudou a fundar, mas em 2005, considerando que o partido havia abandonado os seus ideais se transferiu para o PSOL e nesse ano de 2022 para o PSB. Sentindo ter cumprido seu papel decidiu deixar a vida politico partidária e nas eleições deste ano não concorrerá à reeleição deixando um trajetória de luta em prol das melhorias a cidade, dos mais pobres e das minorias.

Nesses 50 anos em que vive no Rio afirma não haver como não se encantar com o conjunto de montanhas que cercam a cidade, com o mar e o sol sempre generosos. Seus olhos, entretanto brilham, e abre um sorriso acolhedor, que lhe é bem característico, ao dizer serem as pessoas o que mais o encanta quando se refere à cidade:

— A sensação que tenho é que as belezas da cidade se transferem e aumenta o astral das pessoas. É como se a beleza da cidade e as pessoas fossem uma coisa só. As pessoas refletem a cidade. No Rio, as pessoas têm uma maneira diferente de andar, de sorrir, de curtir a vida. Por maior que seja a crise, os problemas, o carioca se mantém autêntico, de pé, vibrante — acentua.

O deputado que completou 80 anos no último dia 18 de abril, diz que acha muita boa a ideia de se criar um espaço onde as pessoas possam contar as suas histórias e as suas lembranças no Rio de Janeiro. "Um Rio de Histórias"... É ótima essa ideia. É bom saber como as pessoas mais velhas viveram, curtiram e pensam essa cidade que mudou tanto e vem mudando constantemente” — comenta. Perguntado sobre as mudanças estruturais na cidade, diz preferir falar do que ainda não mudou tanto que são as pessoas da cidade:

— Poderia falar de muitas mudanças estruturais e físicas da cidade, mas isso é secundário. Prefiro falar desse comportamento espontâneo que só o carioca tem. Não existe nada melhor e mais fascinante que uma mesa de bar, uma roda de samba e uma roda de samba numa mesa de bar. Sou totalmente apaixonado por essa característica do carioca se sentar na mesa de um bar, pedir uma cerveja, tirar um pandeiro e um cavaquinho e iniciar um samba que vai crescendo e não tem hora para terminar. Fiz muitos amigos e muitas amizades na mesa de um bar. Gosto também do carnaval dos blocos — completou.

Ao comentar sobre o carnaval das escolas de samba e dos blocos faz uma análise apontando haver uma clara desconstrução do carnaval carioca:

— No início, quando cheguei ao Rio, e, principalmente, depois que me tornei vereador ia com mais frequência nos desfiles das escolas na Sapucaí, mas depois fui, de certa forma, achando aquilo tudo um tanto o quanto repetitivo. Por outro lado, tem a paixão que adquiri pelos blocos de rua. Curto muitos blocos, vou a todos que posso, mas muito especialmente nos Escravos da Mauá, que vi surgir e ajudei a construir. O que percebo com o decorrer dos anos é que lentamente vai ocorrendo uma desconstrução do carnaval. Tudo gira em torno do dinheiro, a prefeitura com suas regras e normas e com a conivência de alguns representantes dos blocos passou a tolher a espontaneidade da festa. Chega a ser inadmissível o carnaval da cidade ser gerido pela Secretaria de Turismo e pela Secretaria de Ordem Pública. Isso representa dizer que o evento é para turista e uma questão de ordem pública. Ainda sou daqueles que pensa que o carnaval, principalmente, o carnaval de rua, é uma festa da cultura, pertence à cultura da cidade e, logo, deveria estar vinculado à Secretaria de Cultura. A prefeitura não soube administrar e o problema dos blocos foi o gigantismo. Agora alguns tentam mudar o perfil da festa levando para espaços fechados, o que é inadmissível. Carnaval é espontaneidade, é para todo mundo e não pode acontecer dentro de um espaço fechado.

O carnaval e a produção cultural da cidade é uma área na qual Eliomar fala com muito propriedade, pois é o presidente da Comissão de Cultura da ALERJ por duas gestões. Ele não esconde alegria pela capacidade da cidade produzir cultura, mas, em simultâneo, diz sentir tristeza pelo descaso com o qual alguns governantes dispensam à cultura:


Presidente da Comissão de Cultura da ALERJ Eliomar buscou no cantor compositor Tiago Prata uma pessoa muito atuante, o nome ideal para a interlocução com os atores das mais diversas área da produção cultural da cidade


— O Rio é uma cidade plural, rica em suas manifestações culturais nas mais diversas áreas, teatro, cinema, música, hip hop, funk, literatura. Entretanto, apesar de toda essa potencialidade existem governantes que simplesmente ignoram nossa cultura. Existe governante que se achou no direito de não pagar um edital, outros em nome de fanatismo religioso chegaram a perseguir nossas manifestações culturais e, principalmente, as que estavam ligadas às raízes afro-brasileiras. Chega a ser estarrecedor a falta de sensibilidade dessas pessoas. Chegaram a demonstrar total má vontade com o samba, as escolas, os blocos. Ignoram que o samba, a roda de samba, as mesas dos bares é um expoente do carnaval. Roda de samba é sinônimo de espontaneidade, de felicidade. Participa músico, compositor, quem sabe e quem não sabe sambar. É um espaço absolutamente democrático onde participa todo mundo. Entendo isso, como a mais genuína manifestação de carioquice.

Questionado sobre as principais mudanças da cidade e quais mais o impactaram, Eliomar olha para o vazio, esfrega as mãos, e, em seguida, esboça um sorriso e comenta: “Tenho belas e boas saudades do Rio”. Prosseguindo:

— Quando cheguei na década de 1970, o Rio era mais romântico, mais tranquilo e você podia passear tranquilamente pela cidade despreocupadamente. O máximo que acontecia, era alguém bater a carteira de alguém. Depois a cidade começou a ser tomada por uma onda de violência que deixa a todos muito incomodados. A criminalidade aumentou aos olhos de nossas autoridades e ninguém gosta de viver numa cidade com tantas balas perdidas — principalmente nas áreas mais pobres — e ter tantas notícias ruins a cada dia. Tudo isso piorou nos últimos anos, com pessoas se achando justiceiras e por puro preconceito e ódio, acreditar que tem o direito de agredir ou mesmo matar alguém. Não só no Rio, mas no Brasil todo, a violência contra as mulheres, os negros, os menos favorecidos piorou acentuadamente. Passamos por um processo de desumanização muito grande e temos que resgatar nossos verdadeiros valores que é a solidariedade, o companheirismo a amizade. Lembro-me, por exemplo, do Maracanã, onde havia um espaço para a geral, onde as pessoas com menos poder aquisitivo podiam assistir aos jogos com ingressos a preços populares. Sempre observei na geral um espaço de segregação entre pobres e ricos, mas entendia a importância daquele espaço, pois era a oportunidade do pobre assistir a uma partida de futebol e ver e vibrar com seu time. Essa modernização da cidade e dos espaços aumentou e vem aumentando a distância entre as pessoas.

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A resposta deixou margem para uma reflexão e outra pergunta: qual sua percepção sobre essas transformações que as cidades sofrem?

— O maior problema da cidade, dessas transformações é em decorrência da ganância, do egoísmo e da força do capital. Quem promoveu as mudanças na cidade foi uma elite que deseja um espaço excludente, só para eles e onde vislumbram tão somente, cada vez mais lucros. Essas pessoas não estão preocupadas com as pessoas, com cidade, com o bem-estar da cidade. Eles querem apenas se beneficiarem. Nenhuma das mudanças que aconteceram foram democráticas, tiveram a participação popular. O pobre não tem o direito de opinar, de participar, os pacotes de transformações pensadas por empresários com o aval de políticos já chegam prontos. A intenção é um mundinho egoísta como uma caixinha fechada, onde ficam excluídas todos menos favorecidos. As mudanças vão acontecendo e quando percebemos já aconteceram. Quase todas essas mudanças passam necessariamente pela política e o problema é que a qualidade de nossos políticos caiu muito. A maioria dos políticos não age pensando o bem-estar social e pensam em interesses que não condizem com os interesses da sociedade e, muito especificamente dos mais pobres. Pessoas eleitas para representar o povo, se aliam a grandes empresários dos mais diversos setores e vislumbram uma cidade que atenda apenas aos anseios desta parcela endinheirada. Lamentavelmente essa é a realidade. Aqui no Rio pelo menos minha esperança é que essas pessoas que tanto admiro e que tanto me encantam consigam despertar e eleger candidatos que, de fato, representem seus interesses.

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