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Carnaval: fantasias e pesadelos

Componentes da Mangueira indignados com o carnavalesco

Sydney França, em razão do peso e do volume das fantasias

 

O carnaval é festa. Pura magia. Nas ruas, o compositor Paulo Sette eternizou os encantos, encontros, desencontros e reencontros: “são três dias de folia e brincadeira, você pra lá, eu pra cá até quarta-feira”. O que dizer de Chico Buarque, que inicia perguntando: “Quem é você, diga logo, eu quero saber” e terminar de forma que reflete parte da festa: “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”. Nas ruas, praças, ladeiras e vielas, a euforia explode, é um verdadeiro vale tudo em nome de Momo.

Na Avenida não. Ali, se o desfile por alguma razão não deu certo, o clima é de lamentação, de frustração e derrota, mas se a escola foi bem e "arrebentou" na Avenida, os olhos brilham, surgem as primeiras lágrimas de emoção, o riso é largo e no peito explode uma quase certeza de vitória. A história se repete a cada ano nos mais diversos bairros da cidade...

Nesse carnaval de 2025, uma insatisfação tomou conta de algumas grandes escolas e, mais especificamente, de uma das mais queridas de nosso carnaval, que é a Estação Primeira de Mangueira. Com as fantasias entregues, muitos componentes, principalmente das denominadas alas da comunidade que, verdadeiramente, seguram o “rojão” e são a alma da escola na Avenida, a grita é geral. Estão indignados e revoltados com o carnavalesco Sidney França. Toda bronca é em razão do peso e volume das fantasias que foram elaboradas.

Pelo menos duas senhoras de diferentes alas sequer pegaram a fantasia. Chegaram à Cidade do Samba, olharam o que consideraram desvario e, em razão do peso e do volume, decidiram não desfilar. “Desfilo na Mangueira há muitos anos e carnaval é para brincar, se divertir e não para fazer sacrifício. Esse rapaz, que sequer conheço, pois não apareceu em sequer um desfile de rua e que nunca vi na quadra, lamentavelmente está totalmente fora de sintonia com a Mangueira. Fico triste, com o coração partido, mas não estou em idade de carregar todo esse peso” – reclamou.  Outro componente de uma das alas da comunidade, não poupa críticas a Sidney.

- Esse cara tá maluco. Vou desfilar na Mangueira, no Rio, num calor do cacete e essa fantasia mais parece com a vestimenta de um dos bonecos de Olinda. Esse cara tá provando que não sabe nada do Rio de Janeiro, do carnaval carioca e muito menos da Mangueira. Participei de todos os ensaios de rua e dos ensaios técnicos e não vi a cara desse cidadão. Ele tem que saber se vai se dedicar à Mangueira ou ficar dividindo o tempo com outra escola em São Paulo. Se em São Paulo faz frio, no Rio a chapa é quente e usar essa fantasia é sacanagem. Vou desfilar em amor à Mangueira, mas que será um sacrifício, isso será”.  A crítica é em razão do carnavalesco ser de São Paulo e estar paralelamente fazendo também o carnaval da Vai Vai.

Alguns componentes estão preocupados de que a escola possa ter buracos em seu desfile em razão de muitas pessoas que podem desistir de desfilar.  As fantasias, de fato, são extremamente quentes, pesadas e, impossível de serem levadas dentro do metrô e de um ônibus. Todos sabem que chegar de táxi ou Uber na Sapucaí não é uma tarefa das mais fáceis. Muitos componentes já apelam para a Mangueira disponibilizar um caminhão após a apresentação para recolher as fantasias, pois as levar de volta para casa é uma tarefa praticamente impossível. Por determinação da direção, os componentes são obrigados a entregar as fantasias alguns dias na escola após o desfile. Não mostraremos as fantasias aqui em respeito à escola que pede sigilo e que não se exponha a fantasias antes do desfile.

Outra crítica que vem sofrendo não só o carnavalesco, mas toda comissão de carnaval da Escola é o fato de terem escolhido um carnavalesco que, além de não dominar as nuances do carnaval carioca, ainda tem que dedicar seu tempo a outra escola de São Paulo. “Fico no Rio de segunda a quinta a sexta e sábado me dedico à Vai Vai”. No domingo, descanso, pois ninguém é de ferro.   Essa sua declaração em entrevistas aos meios de comunicação.

A Comissão de Carnaval e, muito especialmente, a presidente da escola, Guanayra Firmino, merecem todo respeito, mas francamente e sinceramente, o carnavalesco da Mangueira deve ter dedicação exclusiva e não dividir seu tempo com outra agremiação. Diria o poeta portelense Paulinho Viola: “A Mangueira é tão grande que não cabe em meu coração”. Se não cabe no coração de um poeta do tamanho de Paulinho, como pode caber na cabeça de um carnavalesco?

O veredito final será dado na quarta-feira, quando a apuração, que acontece na mesma cidade do samba, onde a Mangueira desfila na madrugada de domingo, com o enredo “À flor da terra – no Rio da negritude entre dores e paixões”. A proposta é mostrar a influência e a força do povo banto na cidade de São Sebastião. A apuração cria momentos tão tensos ou até mais tensos que o próprio desfile, pois os juízes, em sua maioria doutores ou mestres da Academia, nem sempre estão em sintonia com o que se viu na Avenida e aparecem com notas surreais.



 Feita a apuração, são outros 365 dias de trabalho, dedicação, para preparar a festa do próximo ano. É torcer para que a Mangueira faça um grande desfile, brigue pelo título, que Sidney França se consagre, permaneça e, no próximo ano, esteja um pouco mais em sintonia com a comunidade, que por ser leve, “já vive pertinho do céu”. É torcer para que as fantasias empasteladas, que a preocupação com o “fantástico show da vida”, a espetacularização, para inglês ver, não seja obstáculo para se brincar, sambar, se divertir, razão primeira do carnaval.

Nesse carnaval a Mangueira fala de suas crias, da força do morro e do “orgulho de ser favela”. Esse contexto, possibilita uma oportunidade para uma profunda reflexão e pararmos com urgência de endeusar, tratar como majestades, como gênios da lâmpada e seres iluminados, os carnavalescos. Não o são. São pessoas comuns, normais, que não têm sangue azul, apesar de alguns quererem demonstrar um ar de realeza. 

A Mangueira é e sempre foi uma escola diferente. Por isso, tem uma presidente que é mulher e negra. Por isso, os “Meninos da Mangueira”, “forjados no arrepio na lei que os fez vadios, e libertos na senzala social”, mostram sua força.  Por isso, como um dia poetizou Ataúlfo Alves, os “meninos da Mangueira” recebem como presente de natal um pandeiro e uma cuíca e, no carnaval, comandam a festa, a bateria, a harmonia, reinam na frente da bateria e são os destaques.

            Nesse universo do carnaval, já passou da hora da Escola mais uma vez inovar, romper com esse mundo da meritocracia e ter um carnavalesco da comunidade. Um carnavalesco para chamar de seu. Um filho da “Estação Primeira de Nazaré, Rosto Negro, Sangue índio, corpo de mulher, que seja Moleque Pelintra no buraco quente, um menino que seja um Jesus da Gente”. Por ser a Estação primeira a escola de Nelson Cavaquinho, Beth Carvalho, Cartolas, Zicas, Tantinhos, Delegados, Jamelões, não precisa de alguém que chegue de mansinho, se aproxime, pesquise a comunidade, para entender o riscado, mas sim um carnavalesco que seja cria das vielas dessa esplendorosa favela e que conheça os becos e encostas como as linhas da própria mão. Um menino que tenha a alma da Mangueira, nada mais, nada menos que a matriarca das paixões.



 

 
 
 

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