Câmara acirra cisão entre moradores e comerciantes
- Virgilio Virgílio de Souza
- 6 de mai. de 2022
- 6 min de leitura
Associações de moradores ficam indignadas com a Comissão Especial de Bares e Restaurantes na Câmara dos Vereadores que quer flexibilizar ainda mais mesas e cadeiras nas calçadas
Depois de um encontro com o prefeito Eduardo Paes em março e de uma audiência Publica na Câmara dos Vereadores representantes de Associações de Moradores que querem a revogação da Lei 226, ficaram perplexos com a criação de uma Comissão Parlamentar para defender os interesses dos proprietários de bares, restaurantes e casas de show
De um lado moradores indignados, cansados e revoltados com a invasão das calçadas por mesas e cadeiras e pelo barulho ensurdecedor promovido por bares, restaurantes e casas de shows, que impede as pessoas de dormirem, ou descansarem em paz. De outro, comerciantes cada vez mais gananciosos e vorazes que, com a permissividade da prefeitura acham que podem tudo perturbando a ordem e o sossego. Essa é uma queda de braço que se arrasta e vem acirrando cada vez mais os ânimos entre moradores e comerciantes.
Exatamente, por isso, causou indignação e revolta em representantes de diversas Associações de Moradores e representantes de entidades civis a criação da Comissão Especial de Bares e Restaurantes instituída pela Câmara Municipal de Vereadores. A iniciativa de criar a comissão foi do vereador Aloísio de Freitas e tem o objetivo de discutir a situação econômica, financeira e jurídica dos bares e restaurantes cariocas.
O principal objetivo do encontro foi o de debater com empresários — donos de bares, restaurantes e casas de shows —, o Projeto de Lei complementar 25/22, que tem a finalidade de atualizar a Lei Complementar 226/2020, que regulamenta a colocação de mesas e cadeiras em calçadas e vagas de estacionamento. O novo projeto propõe uma série de mudanças que tem por finalidade a desburocratização para o uso dos espaços nas regiões dos denominados polos gastronômicos.
A proposta de mudanças vai exatamente em sentido contrário ao desejo das Associações de moradores e representantes da Sociedade Civil que querem a revogação total da Lei 226. Convencido de que será bem-sucedido em seu pleito e alheio ao desejo dos moradores, o vereador Rafael Aloísio Freitas (Cidadania) que propõe as alterações, que visam instituir dispositivos para maior celeridade na análise processual informa o que foi discutido no debate público:
— Nosso objetivo foi ouvir os setores para desenhar alguns ajustes no texto em tramitação aqui na Câmara, que atualiza a Lei Complementar 226/2020. Para gerar ainda mais desburocratização, por exemplo, propomos substituir a exigência de apresentação de planta baixa por croqui de situação para o requerimento de licença para a ocupação de espaços com mesas e cadeiras — afirmou. Ele também destacou ser preciso definir quais regras são aplicáveis aos polos gastronômicos e aos demais estabelecimentos da cidade.
Lei 226: a razão da queda de braço
Incomodados pelo Projeto de Lei 226/2020 cuja justificativa era flexibilizar as mesas e cadeiras nas calçadas e que possibilitou que a cidade se transformasse numa baderna generalizada, as Associações de Moradores, já manifestaram em várias oportunidades que desejam a revogação total da Lei e que não aceitam mais permissividade. Os moradores não aceitam sequer discutir o Projeto 25/22 que, flexibiliza ainda mais a ocupação das calçadas.
Isso ficou claro num encontro de representantes de 31 associações com Eduardo Paes em 25 de fevereiro quando foi entregue ao prefeito um documento falando de todos os transtornos causados pelos bares e restaurantes. Dias depois, em 15 de março, as Associações realizaram uma Audiência Pública na Câmara dos Vereadores presidida pelo vereador Paulo Pinheiro (PSOL) e Rogério Amorim onde todos os problemas mais uma vez foram relatados e onde mais uma vez foi pedida a revogação do Projeto.
Na audiência nos depoimentos de um representante da Guarda Municipal e uma responsável pela fiscalização da prefeitura uma realidade que deixou todos surpresos: nem a SEOP — Secretaria de Ordem Pública e, menos ainda, os órgãos de fiscalização da prefeitura não têm a mínima condição de coibir, multar e proibir a bagunça generalizada em que a cidade se transformou. Na ocasião o deputado Rodrigo Amorim irmão do vereador Rogério Amorim chegou a chamar o secretário de ordem pública de frouxo e incompetente: “Esse Brenno Carnevale é um frouxo e incompetente. Ele não consegue garantir às pessoas o direito de dormir ou descansar em paz.
O Coordenador Executivo de Diálogos Setoriais (CDS), da Secretaria Municipal de Governo e Integridade Pública (Segovi), Armed Nemr Sarieddine — homem de confiança de Eduardo Paes —, esteve tanto na reunião das Associações de Moradores com o prefeito, quanto na Audiência Pública da última segunda–feira. Apesar de saber da incapacidade da prefeitura em resolver os problemas de desordenamento urbano deu uma resposta pouco convincente e jogou as soluções dos problemas para o futuro:
— Temos que conversar mais para verificar a necessidade de se abrir concurso para contratar mais efetivo ou mesmo a possibilidade de utilizar as câmeras de monitoramento a serem instaladas pela parceria público-privada de iluminação pública, Luz Maravilha, para identificar e punir os maus empresários”, disse.
Aloísio Freitas quer flexibilizar ainda mais mesas e cadeiras nas calçadas. Rosa Fernandes quer cautela e respeito aos moradores e Paulo Pinheiro sugere uma audiência Pública. Reação das Associações de Moradores já divide a opinião dos vereadores que, em 2020, votaram o Projeto 226 por ampla maioria
Os vereadores Rosa Fernandes (PSC) e Paulo Pinheiro (PSOL), que integram a Comissão Especial, olham com preocupação toda essa situação. Pinheiro disse que ouviu tudo muito atentamente e faz restrições a muitas das propostas apresentadas. Lembrou que na Audiência Pública que presidiu os moradores apresentaram outra realidade acrescentando que a lei 226 que flexibilizou a colocação de mesas e cadeiras nas calçadas foi extremamente prejudicial aos moradores:
— É fundamental se chegar num equilíbrio entre todos os setores e suas demandas. Assim como se faz necessário garantir e estimular a atividade deste setor da economia, que é o ramo de bares, lanchonetes e restaurantes, precisamos garantir também a livre circulação das pessoas e o direito ao silêncio, que é uma questão de saúde pública” — comentou.
Rosa Fernandes, por sua vez, afirmou ser preciso se definir com clareza as áreas a serem ocupadas para se preservar o direito de locomoção das pessoas, como cadeirantes, idosos, portadores de deficiência etc, bem como dias e horários de funcionamento dos estabelecimentos:
— Papel não muda comportamento, somente as atitudes. É extremamente necessário melhorar a fiscalização da Prefeitura para punir e inibir a ação dos empresários que desrespeitam a lei, e reconhecer com um selo de qualidade aqueles que agem conforme a legislação — sugeriu.
O presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães, reforçou que os moradores não são contra os bares e restaurantes, mas sim exigem uma coexistência harmônica que se baseie em parâmetros bem discutidos e fundamentados. “O morador é tão pagador de impostos como o empresário, por isso se faz tão necessário ouvir todas as partes envolvidas de maneira democrática” — frisou.
Os integrantes do Fórum da Cidadania que congrega mais de 30 associações de moradores e diversos representantes da sociedade civil inconformados com a criação da denominada Comissão Especial de Bares e Restaurantes se reuniu na última quarta (04). Decidiram dentre outras coisas agendar um novo encontro com Eduardo Paes e solicitar uma nova audiência pública. Vão também cobrar uma postura mais clara de alguns vereadores que, enquanto se dizem solidário aos sofrimentos dos moradores não querem se indispor com os donos de bares e restaurante. Dulce Wilmersdorfer uma das criadoras do Fórum da Cidadania afirmou haver uma insatisfação muito grande dos moradores com tudo que vem acontecendo:
— Obviamente que as pessoas estão incomodadas. Após nos reunirmos com o prefeito e termos realizado uma audiência pública e termos colocados nossas questões somos surpreendidos pela criação de uma Comissão Especial cuja finalidade é defender os bares e restaurantes. Não me parece correto a Câmara Municipal criar uma Comissão com a finalidade de defender um setor específico da sociedade. É óbvio que deva existir a Comissão de Educação, do Trasporte ou do Meio Ambiente, mas se criar uma Comissão para defender o interesse de bares e restaurantes parece algo totalmente fora de propósito. É bom que fique claro que as associações de moradores e os moradores de modo geral não são inimigos dos bares e restaurantes, e sim contra estabelecimentos que causam transtornos, enchem as calçadas de mesas e cadeiras e não permitem ninguém dormir. Ficou claro na audiência pública que a prefeitura não tem estrutura e condições de coibir essa baderna, logo não se pode pensar em flexibilizar ou desburocratizar nada temos é que revogar essa lei — afirmou.
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