Eliomar Coelho fala da CPI, do Marco 27, dos Bondes e de Santa Teresa

Eliomar Coelho: Os problemas de Santa Teresa vão muito além

do Sistema de Bondes. Querem sucatear, fazer um processo de gentrificação" -

O deputado Eliomar Coelho (PSOL), se tornou um especialista no sistema de transporte da cidade. isso porque em 2018 depois de muitas lutas e resistências de apoiadores do governo conseguiu instalar a CPI do Transporte da qual foi eleito presidente. Depois de oito meses de muita escuta, os trabalhos da Comissão foram encerrados no dia 31 de outubro daquele ano e aprovados por unanimidade pelo plenário da Assembleia. A tarefa dos parlamentares foi extremamente importante, pois conseguiu realizar um mapeamento e um amplo debate sobre a realidade dos meios de transporte - trem, metrô, ônibus, barcas e os bondes de Santa Teresa -, na cidade.

Engenheiro por formação e sempre atuante nas questões sociais e culturais, na CPI que investigava um série de suspeitas na relação do poder publico com os empresários, Eliomar Coelho se destacou pelo zelo e seriedade e foi elogiado por fazer questão de visitar cada um desses modais. Queria saber minuciosamente a realidade e as dificuldades enfrentadas pela sociedade e, para isso, conversou com moradores, usuários e funcionários de diferentes bairros. Se numa ponta, durante os depoimentos na CPI, ouvia os agentes públicos, empresários e representantes das categorias de cada um desses modais, em outra ponta, procurava ouvir os moradores, em sua opinião, o usuário final e que poderia revelar as reais condições de nossos transportes.

O trabalho foi tão intenso e levado a sério, que depois de anos, finalmente se pode saber como funcionava a denominada “Caixa Preta” que permeava a relação entre governos e empresários. Em um dos momentos de maior tentativa de obstrução aos trabalhos, o deputado Júlio Lopes ex-secretário de transporte do governo Sérgio Cabral, alegando falta de tempo, embora morasse no Rio, argumentava que suas atividades em Brasília o impossibilitavam de prestar depoimentos na ALERJ. Com as constantes negativas de Lopes e contrariando sua própria vontade, Eliomar mobilizou uma equipe de integrantes da CPI para se deslocar até Brasília para colher o depoimento de Lopes.

Júlio Lopes que era braço direito e homem de confiança de Cabral tinha suas razões para não querer falar do tempo em que ocupou a Secretaria de Transportes. Foi em sua gestão que aconteceu a tragédia no bondinho de Santa Teresa e uma equivocada compra de barcas para Niterói. Depois de muita negociação e de o Estado comprar as barcas, descobriu-se que as barcas não cabiam nos atracadouros das estações nem no Rio, nem em Niterói.

Três anos passados dos trabalhos da CPI Eliomar Coelho lamenta a falta de compromisso de nossos governantes para com a cidade:

- Fizemos um trabalho exaustivo, cuidadoso e apuramos várias irregularidades em praticamente todos os modais de transportes da cidade e do Estado, mas infelizmente nossas autoridades não cumpriram as recomendações da CPI e muito menos as determinações da justiça. Acredito que a solução para que todos esses problemas sejam resolvidos é a sociedade, o usuário final, aquele que depende dos transportes e enfrenta ônibus, trens e barcas lotados se manifestarem, reclamarem e exigirem seus direitos. O que vemos durante a pandemia é a história se repetir. Os empresários, as pessoas que dominam o sistema de transporte simplesmente reduziram o número de ônibus em várias partes da cidade e nossos governantes não fazem rigorosamente nada. Esses empresários parecem intocáveis. A única maneira de se reverter esse quadro é a sociedade se organizando e reclamando pelo direito de ir e vir.

Eles não conhecem os bondes e querem gentrificar Santa Teresa

Admirador de Santa Teresa que frequentemente visita, quando indagado sobre a batalha que os moradores travam contra a privatização do sistema dos bondes e o descaso ao qual o bairro é submetido, franze a testa, aperta um pouco os olhos num misto de esperança e indignação responde:

- O problema de Santa Teresa vai muito além da luta pelos bondinhos. Nossos governantes parecem ter o objetivo de desconstruir, de descaracterizar Santa Teresa. Pensam apenas no turismo, querem modernizar, transformar o bairro numa vitrine para quem não é do bairro e, com isso, os moradores sofrem com a falta de açougue, padaria, loteria, farmácias, supermercado. Fazem uma desconstrução silenciosa ao não incentivarem e apoiarem o comércio local. É lamentável, mas facilitam e não criam critérios para que pessoas sem qualquer identidade com o bairro possam fazer hostéis, pousadas, bares modernosos e criam condições para que seja facilitada a gentrificação. Tenho muitos amigos em Santa Teresa, esse é um tema recorrente e não é exatamente isso que os moradores desejam.

Quando perguntado sobre os bondinhos especificamente e quais as conclusões que a CPI chegou, ele diz que muitas irregularidades foram encontradas, mas salienta principalmente a falta de respeito para com o bairro e a falta de conhecimento da importância de Santa Teresa para a cidade:

- Quem governa a cidade dá uma clara demonstração que não conhece o bairro e sabe de sua importância cultural, histórica e turística para a cidade. Não sabem que muitas pessoas se mudaram para Santa Teresa exatamente pelo fato de o bairro ter as características de um lugar tranquilo, uma espécie de refúgio dentro da cidade. Não sabem que o bairro sempre foi habitado por poetas, artistas, que há uma produção cultural muito forte e uma economia própria nas favelas. É possível que não saibam dos muitos intelectuais, músicos e poetas que moram no bairro.

Sobre a luta pelos bondinhos e as manifestações que estão sendo organizadas pelos moradores para o próximo dia 27, Eliomar enfatiza que os bondinhos só existem em razão da luta dos moradores:

- Uma coisa precisa ficar clara em relação ao sistema de bondes: os bondinhos só existem, o sistema só foi preservado em razão da constante luta dos moradores. Essa ideia do “Marco 27” para não esquecer a tragédia, para manter luta pelos bondinhos é algo fantástico. Admiro muito os moradores de Santa Teresa que nunca deixaram de lutar, solicitar audiências publicas na Assembleia, recorrer ao Ministério Publico, promoverem permanentes reuniões, denunciar na justiça os abusos que o bairro sofre. Estamos aqui falando dos bondes, mas não podemos nos esquecer do desrespeito da empresa de ônibus que atende Santa Teresa e faz o que bem entende. O transporte é a ponta do iceberg e a maior prova de desrespeito, desinteresse e abandono de nossos governantes. Existem muitos outros problemas que angustiam e irritam os moradores.

Quando falava recebe uma ligação, pede desculpas e diz eu precisa atender e prossegue em seguida:

- Durante os trabalhos da CPI encontramos várias irregularidades. Fomos à garagem dos bondes, em mais de uma oportunidade conversamos com moradores e funcionários, apuramos detalhadamente os problemas, mas ainda assim nenhuma providência foi tomada. Os governadores do Estado não cumpriram sequer uma decisão judicial de 2008 que determinava que todo o sistema fosse recuperado. Em 2011, a justiça manteve a decisão e até hoje nossos governantes nada fizeram. Esta claro que por incompetência, falta de iniciativa querem privatizar o sistema de bondes. Essa tem sido a meta e é contra isso que temos que lutar. Querem transformar o bonde num transporte bonitinho, um brinquedinho de turistas, ignorando completamente que o bonde é antes de tudo, o principal meio de transporte da comunidade, que atende, principalmente aos muitos moradores das favelas localizadas em Santa Teresa. Teremos uma nova audiência publica e mais uma vez estaremos presentes para mostrar tudo que colhemos durante a CPI e todo descaso e abandono ao que os vários governantes impuseram ao bairro. A Assembleia Legislativa deve acima de tudo estar ao lado dos moradores, das pessoas da cidade e não apenas atender ao interesse de empresários quer seja de ônibus, quer seja da construção civil, que pretendem apenas se aproveitar da cidade, descaracterizar nossa história e nossa cultura com o único objetivo de faturarem alto. Nosso mandato estará à disposição dos moradores, vamos fazer uma campanha junto a outros parlamentares e esperamos que nessa audiência pública muitos deputados se somem na defesa da manutenção do sistema de bondes e contra sua privatização.

Relatório Fina da CPI em 2018

Em 31 de outubro de 2018, os deputados aprovaram em discussão única, o projeto de resolução 801/18 - relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) -, que investigava as irregularidades da gestão pública no setor de transportes, presidida pelo deputado Eliomar Coelho (PSol). A resolução foi promulgada pelo presidente em exercício da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), e publicada no Diário Oficial do Legislativo.

O relatório, que já havia sido aprovado por unanimidade pelos integrantes da CPI em agosto e, em linhas gerais, abordava os seguintes pontos:

- Extinção da relação do Governo do Estado do Rio com a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), que administra o sistema de bilhetagem eletrônica;

- Suspensão do processo licitatório do transporte rodoviário até que houvesse pronunciamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e do Ministério Público Estadual (MPE), assim como a licitação do transporte aquaviário;

- Revogação do decreto (46.246/18) do Executivo que aumentou a tarifa do Bilhete Único e extinção da tarifa turística de R$ 20 do bonde de Santa Teresa;

- Recomendação para que o Ministério Público Federal verifique indícios de envolvimento de atuais e ex-gestores nos projetos de implementação do Sistema de Teleféricos do Complexo do Alemão;

- Fiscalização na prorrogação dos contratos de concessão das linhas 1,2 e 4 do Metrô Rio e no sumiço de documentos importantes para o cálculo da tarifa, conforme denúncia do Ministério Público Especial de Contas junto ao TCE.

O texto também recomendava ainda medidas imediatas nos seguites pontos:

- Fim do limite de renda para o Bilhete Único Intermunicipal

- Um novo edital das barcas com o critério da menor tarifa e que, a partir das recomendações do Plano Diretor Metroviário e do Plano Diretor do Transporte Urbano (PDTU), fosse dada prioridade à implantação da Linha 3 do Metrô, para atender à demanda das cidades de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí.

A CPI foi instalada em fevereiro de 2018 e fez reuniões em diversas localidades do Estado do Rio, como o município de Campos dos Goytacazes.

Além de Eliomar Coelho, foram integrantes titulares do grupo os deputados Geraldo Pudim (MDB) – que era o relator, Gustavo Tutuca (MDB), Martha Rocha (PDT), Gilberto Palmares (PT), Milton Rangel (DEM) e Nivaldo Mulim (PR). Os suplentes foram os deputados Zito (PP), André Lazaroni (MDB), Dr. Deodalto (DEM), Flávio Serafini (PSol), Zeidan (PT), Flávio Bolsonaro (PSC) e Rosenverg Reis (MDB).