Bispos brasileiros no banco dos réus em Angola
- Virgilio Virgílio de Souza
- 26 de nov. de 2021
- 7 min de leitura

Religiosidade, fé, cristianismo e acusações de picaretagens por todos os lados chegam à barra dos tribunais em Angola. Nessa quinta-feira, dia 25, teve prosseguimento no Palácio Dona Ana Joaquina, o julgamento que se iniciou no último dia 18, contra integrantes IURD - Igreja Universal do Reino de Deus -, de propriedade do empresário bispo Edir de Macedo. As audiências foram divididas em dois tribunais e serão longas e sem uma previsão de quanto tempo vai durar, pois mais de 100 pessoas serão ouvidas
As primeiras sessões foram cercadas de tensão, pois por um lado, centenas de fiéis ligados aos pastores brasileiros compareceram para apoiá-los, por outro, muitos seguidores se fazem presentes para exigir a condenação. Todos oravam, mas os nervos estavam acirrados e, nesse contexto, restou às autoridades, cercar o palácio com um forte aparato policial para que não ocorressem confrontos.

Várias manifestações foram realizadas em Luanda e outras cidades de Angola após se iniciar a crise da IURD
As acusações que pesam contra religiosos brasileiros e angolanos que atuavam no país e representavam a IURD brasileira são extremamente graves. Dentre outros, são atribuídos crimes de corrupção, desvio de dinheiro, evasão de divisas, racismo, discriminação, abuso de autoridade e imposição da prática de vasectomia. A polêmica mobilizou o país, ganhou os principais meios de comunicação e se transformou em motivo de discussões nas redes sociais, ruas e esquinas.
Na terceira sessão realizada nesse dia 25, o ex-líder espiritual da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) de Angola bispo Honorilton Gonçalves confirmou que era uma pessoa da relação do bispo Edir de Macedo e voltou a negar todas as acusações contra a IURD. Indagado pelo juiz presidente da sessão Tutti António sobre a denominada "Fogueira Santa" uma forma de incentivo para que fiéis fizessem doações ou se a Igreja, além de dinheiro, recebia outras formas de benefícios como casas, carros, terrenos e outros bens, , o bispo não só se isentou, como procurou tirar da Igreja e de Edir de Macedo qualquer responsabilidade:
- A Fogueira Santa surgiu para aqueles que acreditam que nada é impossível e com o único objetivo de salvar almas. Esse sempre foi o propósito. Todo dinheiro que entra para a Instituição vai direto para as contas da Igreja e não sou titular de nenhuma conta, logo, não posso fornecer essa informação. Tenho contato direto com o bispo Edir de Macedo, uma pessoa de minha relação, e ele nunca orientou para qualquer tipo de coação ou extorsão como vem sendo acusado.
Apesar de tentar demonstrar equilíbrio e tranquilidade, Honorilton, bispo Edir de Macedo e toda cúpula da IURD devem estar preocupada com o transcorrer dos fatos. Na sessão do dia 19, - ele foi primeiro a ser ouvido -, se defendeu, alegou inocência diante do tribunal, afirmando que; “nunca houve a obrigatoriedade da vasectomia”, salientando que “não aconteceram registros dos fatos, por parte de algum pastor no seu mandato”. Apesar disso, o Ministério Público não parece acreditar em suas versões e na versão da IURD.
A mão pesada do Ministério Público
Hororilton se defendeu, mas não conseguiu convencer ao Ministério Público que não aliviou e jogou pesado. Na leitura da acusação, a procuradora Ludmila da Purificação, se valendo de farta documentação afirmou que os acusados fazem parte de uma organização criminosa internacional, dedicada a arrecadação fraudulenta de dinheiro dos fiéis para benefícios próprios e também a retirada clandestina de capital para a República federativa do Brasil, acrescentando:
- Os líderes da IURD ordenavam aos pastores de todo o país que influenciassem os fiéis a contribuírem a doarem o máximo de valores monetários e bens, transmitindo a ideia de que Jesus Cristo apenas olha para os que contribuem para com a igreja. Era prática corrente a conversão dos kwanzas - moeda angolana -, arrecadados em divisas geralmente no mercado informal, para transferência para fora do país – afirmou
Nessa fase do processo, além de Honorilton Gonçalves, estão arrolados o bispo angolano António Ferraz, o pastor brasileiro Fernando Teixeira, o angolano Belo Kifua, bem como o pastor brasileiro Rodrigo do Carmo, expulso do país por autoridades angolanas.
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A dura resposta do Ministro da Justiça
Acostumados no Brasil a agir como autoridades ou celebridades e a fazer chantagens, e ameaças, contra políticos e mesmo o STF - Supremo Tribunal Federal -, alguns bispos não necessariamente da IURD foram para as redes sociais se manifestar sobre as polêmicas entre a Igreja de Edir de Macedo e as autoridades angolanas.
A própria IURD através de um comunicado dúbio, tentou fazer um alerta, na verdade, um denúncia contra o judiciário angolano pedindo para que o julgamento transcorresse conforme as provas e com imparcialidade, preservando a liberdade de religião. A nota alerta para o seguinte:
- É preciso que a comunidade internacional esteja atenta. O que aconteceu em Angola, com a Igreja Universal, é um grave precedente contra a liberdade de culto e crença e representa uma séria ameaça à presença de qualquer denominação, religião e missionários de origem estrangeira, em solo angolano.

O ministro da Justiça de Angola, Francisco Queirós foi duro com a direção da IURD que através de nota tentou insinuar que o julgamento poderia não ocorrer de forma transparente. As declarações devem ter tirado a tranquilidade do bispo Honorilton e outras lideranças
Preocupado com repercussão da nota e a possível deturpação da informação, o ministro da Justiça e Direitos Humanos angolano Francisco Queiroz declarou o seguinte: “ O Estado angolano respeita liberdade religiosa, mas não fica indiferente ao crime”. Queiróz que em várias ocasiões já se posicionou sobre o assunto, salientou que o Estado intervém quando há indícios de crime, como tem acontecido com a Igreja Universal do Reino de Deus, deixando claro que acredita no funcionamento das instituições de seu país:
- A liberdade religiosa é uma conquista da democracia que o Governo quer manter viva. As soluções para os conflitos internos que ocorrem passam pelas próprias igrejas. Não vamos nos alinhar nessa visão de que é algo contra o Estado "a" ou "b" ou contra a nacionalidade "a" ou "b", isto é tentar confundir aquilo que de verdade está a acontecer dentro da Igreja, um problema que não pode envolver os Estados e muito menos nessa perspectiva de estar a proteger uns ou outros. O Estado dá igual proteção a todos. Aqueles que se sentem acossados tendem a pôr em causa a verticalidade e a isenção da justiça e podem até mover campanhas bastante fortes e estruturadas, com envolvimento político, para tentar influenciar o andamento e o tratamento dos processos. Temos instituições que cuidam dessas questões quando está em causa o interesse público e foi o que aconteceu: a Procuradoria-Geral da República interveio, fez averiguações, instruiu os processos e mandou para o tribunal que é o órgão competente para dirimir os conflitos e a decisão que sair será respeitada naturalmente - afirmou.
Acusação de desvio de milhões
Denúncias feitas pelos bispos angolanos às autoridades do país, e em matérias publicadas por órgãos de comunicação de Angola e pelo site da UOL, dão conta de que a Igreja Universal do Reino de Deus, transferiu ilegalmente de Angola para a África do Sul, US$ 30 milhões. As transferências ocorriam a cada três meses e os valores, posteriormente eram transferidos para o Brasil, e que somados chegariam a US$ 120 milhões por ano.
Um dos principais acusados é o bispo brasileiro e ex-diretor da TV Record África Fernando Henriques Teixeira que seria responsável pela evasão de divisas. Segundo as acusações as transações financeiras teriam se repetido nos últimos 11 anos, desde quando Teixeira chegou ao país. A assessoria de imprensa da IURD brasileira em Angola, entretanto, desmentiu essa hipótese:
- É totalmente falsa esta questão. É totalmente sem fundamento. Isto é uma versão levantada por ex-pastores e pastores dissidentes com o objetivo de tomar a igreja. Eles criaram essa versão a fim de tomar a igreja. Todas as ofertas da igreja são totalmente declaradas para o Estado e a versão que os dissidentes levantaram é totalmente infundada".
Inferno astral da Universal se iniciou em 2019
Os conflitos da IURD em Angola arrastam-se desde o final de 2019, quando um grupo de 320 bispos angolanos passaram a questionar a falta de critérios da direção brasileira. O fato determinante para a ruptura foram os líderes brasileiros, e dentre eles, o próprio bispo de Edir Macedo terem ignorado as queixas e reivindicações dos bispos locais. Os angolanos se queixavam, por exemplo, das mordomias e privilégios dispensado aos brasileiros em detrimento aos angolanos sempre relegados a um segundo plano.
À medida que o tempo passava os nervos ficavam acirrados e, em dezembro de 2020, houve por parte dos angolanos uma sublevação, quando tomaram à força templos em Luanda e em outras importantes cidades. Com a crise se estendendo a justiça angolana decretou o fim das atividades dos brasileiros no país, e, pelo menos 150 deles, foram convidados a voltar ao Brasil. Além disso, as autoridades determinaram o fechamento da TV Record-Angola, que era a principal fonte de informação do empresário Edir de Macedo.
O delicado “não” de João Lourenço
No final de junho de 2020, durante a cúpula da CCPL - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, realizada em Luanda, o vice-presidente Hamilton Mourão que participou do evento, recebeu uma incumbência especial dada pelo presidente Jair Bolsonaro: deveria solicitar ao presidente angolano João Lourenço que recebesse uma missão liderada pelo deputado Marcos Pereira, bispo licenciado da IURD, para que fosse encontrada uma solução para todos os problemas envolvendo a Igreja de bispo Edir Macedo.
Mourão realizou a tarefa e até comentou com Lourenço sobre, mas a resposta foi a pior que se pudesse imaginar. O presidente angolano, mesmo procurando ser educado e diplomático, desconversou e saiu pela tangente com um redundante não:
- Não seria adequado que uma delegação de congressistas brasileiros fosse recebida pelo Executivo angolano. Os parlamentares seriam bem-vindos num encontro com deputados angolanos, sempre que devidamente convidados pelo Congresso de Angola. (Encontro esse que não foi solicitado e nunca aconteceu).
Crise preocupa presidente Bolsonaro

Edir de Macedo e bispos da IURD pressionaram o presidente Bolsonaro que pediu ao vice Hamilton Mourão que levasse o problema ao presidente angolano João Lourenço
A crise religiosa com Angola preocupa muito o presidente Jair Bolsonaro, tanto que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o embaixador do Brasil em Angola, Paulino Franco de Carvalho Neto, e representantes da Igreja no Congresso têm assumido posições em defesa da Universal.
O interesse de Bolsonaro em querer interceder de forma favorável aos neopentecostais, mesmo em outro país, não acontece sem razão. Ele tem um forte apoio dos neopentecostais e esta numa situação delicada, pois tem sido cobrado permanentemente por lideranças da IURD e a interceder na polêmica.
Em julho do ano passado Bolsonaro chegou a enviar uma carta a João Lourenço, onde deixava clara sua preocupação com os acontecimentos pedindo o aumento de proteção aos brasileiros. Trecho da carta dizia o seguinte:
"Meu apelo a Vossa Excelência é para que, sem prejuízo dos trâmites judiciais, com seu tempo próprio, se aumente a proteção de membros da IURD, a fim de garantir a sua integridade física e material e a restituição de propriedades e moradias, enquanto prosseguem as deliberações nas instâncias pertinentes
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