top of page
Virgilio de Souza

Paulão 7 Cordas: "Sairemos melhores dessa pandemia"

Atualizado: 14 de jun. de 2021


“O principal aprendizado que teremos com esse tempo de reclusão é a solidariedade”.

A parada forçada imposta pela pandemia, a ausência de afetos, abraços e afagos nos transforma em verdadeiras ilhas isoladas, nos colocando diante de uma realidade complexa, meio surreal. Os mais sensíveis que respeitam a ciência e esperam que muito em breve tudo possa voltar ao normal, sofrem... Este é o caso, por exemplo, de Paulão 7 Cordas, um de nossos melhores


músicos da atualidade e há trinta anos maestro na orquestra de Zeca Pagodinho. Acostumado a frequentar aviões, se apresentando nos quatro cantos do Brasil, o violonista, arranjador e diretor musical é responsável por projetos junto às velhas guardas de escolas de samba e dirigiu ou trabalhou ao lado de grandes nomes do samba, dentre eles Cartola, Dona Ivone Lara, Délcio Carvalho, Mo


narco, Nei Lopes, Zé Kéti, João Nogueira, Wilson Moreira, Wilson das Neves, Alcione, Beth Carvalho, Arlindo Cruz, Jovelina Pérola Negra. Carioca autêntico, nas horas de folga frequentava as mais diversas rodas de, especialmente a Roda de Samba Gloriosa, onde no terceiro domingo de cada mês ele é presença constante. Porém, neste momento de isolamento tudo mudou. Bem mais magro em razão dos exercícios físicos e de uma dieta preparada por sua esposa, o músico, que sofre com o desempenho do seu Botafogo, fica a maior parte do tempo ao lado da família, em Itaipuaçu. Sempre que pode, entretanto, nã


o deixa de visitar Santa Teresa onde tem uma casa e dar uma volta o Centro da cidade para rever amigos e matar a saudade das ruas do Rio. Nessa entrevista ele fala como tem levado a vida em tempos de pandemia, da dificuldades de alguns amigos e de política.

Capital Cultural - Há quase um ano, o mundo parou em razão da pandemia. Como tem sido pra você segurar a barra nesse tempo de isolamento, solidão, confinamento. O que vamos aprender com isso tudo? Paulão – É ruim não poder trabalhar, não poder rever amigos, estar com as pessoas e ter que ficar em casa sempre vigilante e buscando ter controle dos passos que vamos dar. De fato, a barra tem sido pesada, mas eu me sinto um privilegiado e não posso reclamar, pois minha solidão é aquecida pela companhia de min


ha mulher que é uma pessoa muito agradável e parceira e de minha filha, isso sem falar nos filhos do primeiro casamento que sempre estão presentes. Compartilhar a existência com eles diminui a solidão e me cria um clima de proximidade que não existia com o trabalho, as muitas viagens, shows e compromissos. Se por um lado a solidão existencial incomoda em razão da ausência de amigos, por outro este recolhimento é bom para essa parada forçada que posso fazer estando próximo da família.

Capital Cultural – Te aproxima também de forma mais intimista do seu instrumento de trabalho que é o violão..


. Paulão – Sim, isso é muito bom. Tenho tocado muito, me dedicado a dedilhar canções que curto e ouvir muitas músicas registradas na memória que não tenho muito tempo de tocar em razão do corre-corre. Penso que o principal aprendizado que teremos com esse tempo de reclusão é a solidariedade. As pessoas se superam, ajudam, distribuem comida, ajudam financeiramente, tudo isso nos faz acreditar na força da solidariedade. Achar que a existência não vale a pena é uma bobagem.

Capital Cultural – Sabemos que para a cultura a barra pesou geral. Os músicos e as pessoas que trabalham com produção musical passam


por momentos de grandes dificuldades. Você tem conhecimento de amigos de profissão passando por isso? E para você particularmente, como tem feito para segurar essa barra? Paulão – Eu dou sorte. O Zeca numa demonstração de total solidariedade, manteve mensalmente o pagamento de um show para todos os músicos. E olha que vai fazer um ano que não realizamos sequer um show. É óbvio que se a situação se estender não sabemos como será. Mas apesar da generosidade do Zeca, eu particularmente, para cobrir minhas despesas, preciso do equivalente à realização de quatro shows. Minha esposa tem uma produção de bolos e cafés e faz delivery, e isso tem ajudado muito a segurar as despesas. Está difícil, mas não posso reclamar, a barra pesou pra todo mundo e muitas pessoas atravessam uma situação muito mai


s delicada. Sei de pessoas passando necessidade. De minha parte, apesar do sufoco, colaboro da maneira que posso e de vez em quando sei de um amigo com problemas, vou lá, faço um depósito e mando o comprovante. É claro que não posso fazer um grande depósito, mas já dá uma força.

Capital Cultural – Para além da pandemia, vivemos no Brasil um momento no qual a sociedade se dividiu, as diferenças e o ódio ficaram aflorados, mais acirrados, os desencontros se acentuaram. Qual é a sua percepção sobre o momento em vivemos?


Paulão – Essa é uma realidade que me intriga e vai muito além de minha capacidade de compreensão. Como falei anteriormente tenho visto muita solidariedade, muita generosidade nas pessoas, mas por outro lado, há um endurecimento, um embrutecimento, um obscurantismo no ar. Confesso que me surpreendo e chego a ficar perplexo diante de certos comportamentos.


Capital Cultural – Há uma política de ódio no ar? Paulão – É muito mais que uma política partidária. Não se trata de esquerda ou direita, preferências políticas ou coisas do gênero. A questão é de racionalidade, de bom senso, de respeito para com o outro. Todo esse ódio, de fato, é algo que incomoda. Tenho amigos que mudaram radicalmente e hoje chegam a culpar os pobres por serem pobres, que defendem a volta do regime militar, que atacam a imprensa, as instituições. Parece que essas pessoas perderam qualquer sentido em relação ao que é ser sensato, do que é ter bom censo. Às vezes encontro pessoas que repetem discursos prontos e sem nenhum sentido, agem como se fossem zumbis ou estivessem totalmente anestesiadas. Sou pelo amor, pela harmonia, pela igualdade e alegria e não consigo entender tanto ódio no ar.

Capital Cultural – Você acha que a eleição do Bolsonaro colaborou para esse quadro de ódio que vivemos? Paulão – Eu não votei no Bolsonaro, mas como ele venceu devo respeitá-lo e esperava que ele fizesse um bom governo e que o Brasil pudesse prosperar, mas não é exatamente isso que vem acontecendo. Acho que todo


esse ódio ao qual você se refere e que estamos vivendo é um problema de lutas de classes e das desigualdades sociais, inclusive passa por uma questão de raça e gênero. O problema é que essas desigualdades aumentam e Bolsonaro com sua política colabora para que essas cisões fiquem acirradas. Penso que Bolsonaro permitiu que muita gente reacionária, truculenta e com pouca sensibilidade ao social se mostrasse. Não acredito que seja com o aumento das desigualdades que vamos resolver nossos problemas.


Capital Cultural – Você acha Bolsonaro um presidente equivocado? Paulão - Honestamente não sei. Você pode se equivocar em uma ou outra coisa, mas você se equivocar em todas as coisas é muito estranho. O presidente foi insensível ao negar a pandemia, dizer que se tratava apenas de uma gripezinha e, com isso, incentivar as pessoas a passarem a questionar a doença, às vezes parece um lunático que nega a ciência. É inadmissível que em várias oportunidades tenha se apresentado sem máscara, criado aglomerações e por ter tido uma postura em sentido contrario a tudo que a OMS – Organização Mundial da Saúde – orientava. O presidente tem sido deselegante com representantes de outros países, sendo desrespeitoso com as mulheres, a imprensa, com seus desafetos e com todos aqueles que não concordam com seus pensamentos. Não sei se trata apenas de uma pessoa equivocada.









Comments


bottom of page