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Virgilio Virgílio de Souza

"Eu sou o que espalho. Somos Instantes"...

Dois anos sem Jorge Salomão, um poeta da cidade, mas acima de tudo, de Santa Teresa

"Não sou um inquieto.

Às vezes sou quieto...

Reflexivo.

Em meio a tudo isso...

Eu sou o que Espalho"


“- Eu quero mais é festa, gente,

sorriso, afagos e abraços.

Eu quero gente feliz,

pois gente feliz não enche o saco”!


Um poeta, sonhador, polêmico, frequentador do bairro, das ruas, do cinema, bares, museus e espaços culturais. Um homem alegre. “Eu sou o que espalho. Somos instantes”. As muitas frases e o pensamentos de Jorge Salomão que nos deixou no dia 07 de março de 2020, aos 73 anos, ainda ecoam no ar, nas ruas e em toda Santa Teresa, bairro que escolheu para viver e pelo qual sempre declarava seu amor e encantamento. “Eu sou o que espalho”, e Salomão deixou espalhado no ar, pelas ladeiras, casarios, e nas pessoas seu sorriso, sua alegria, esponteidade, magia, sua poesia...


“As aparências enganam. Não sou espalhafatoso. Sou uma pessoa na minha, reflexiva, na verdade um malabarista. Sinto-me como um artista de circo, misturo todas as coisas que vivo e que me cercam. Vou procurando me equilibrar nesse grande palco. Considero a vida um grande palco existencial – o grande palco -, e procuro ser um bom malabarista para me equilibrar no palco existencial da vida.
“Tenho a convicção de que envelhecer é amadurecer. Meu barato, minha opção foi por amadurecer. Hoje curto as coisas que me agradam: tomo vinho, ouço música, cuido das plantas. Acordo sempre cedo e vez em quando reúno amigos, pois adoro gente. Fiz, entretanto, a opção de viver sozinho.

- Solidão???

“Isso é pra quem Não aprendeu a se amar. É bom quando você se preenche. Quando você descobre que você é sua melhor companhia. Quando você tem a possibilidade de escolher quem quer como companhia. Não quero que o envelhecer se torne um fardo, uma coisa patética. Vejo pessoas bem mais jovens que passam a adotar parâmetros conformistas em relação a tudo e, com isso, envelhecem, ranzinzas. Não me bate esta coisa de ficar o tempo todo me queixando, trabalhando dores e angústias. Sou por excelência um malabarista. Trabalho tudo de um jeito crescente. Quero sempre o novo, quero mudar, me religar.

Quando nos deixou, Salomão trabalhava em um novo disco com músicas de sua autoria gravadas por Marina, Barão Vermelho, Cássia Eller, Adriana Calcanhoto, Frejat e Zizi Possi que seria relançado pela Biscoito Fino. Ao mesmo tempo reelaborava a edição do Disco “Cru Tecnológico” com poemas de sua autoria e um livro sobre seu irmão Wally Salomão. Confessou que seu prazer maior estava nas madrugadas onde buscava inspiração para concluir outros três livros que escrevia simultaneamente: “Campo Minado de Flores”, “Anakun” e “Frutos Podres”.


“Depois de tudo que nossa sociedade atravessou ela não pode retroceder. Não pode ser derrotada pela intolerância e pelo retrocesso. Não é algo aceitável, cabível”.

Apesar dos muitos projetos e afazeres Salomão ainda encontrava tempo para um Sarau de grande sucesso no Teatro Sesi do Centro, onde realizou entrevistas com nomes importantes no cenário da cultura carioca, dentre eles, Amir Haddad, Nélida Piñon, Antônio Cícero, Ana Durães. Amava o Sarau, mas afirmou que estava decidido a dar um tempo para transformar em realidade antigos projetos pessoais.

Vivemos um tempo de estupidez generalizada. Mas este é o tempo que temos para viver - é nosso hiato entre a vida e a morte. Trabalho e muito, a renovação de minha energia para poder brilhar dentro deste caos, desta estupidez. Me conforta saber que esse não é o meu pensamento, não é meu sentimento e muito menos o pensamento e sentimento da grande maioria. Temos que trabalhar para avançar sobre este lamaçal, sobre todas estas coisas feias, obscuras e não permitir que nasça dentro de nós autodefesas, rancores, ódios. Não podemos nos deixar sermos contaminados por este ódio. Temos que criar e distribuir antídotos contra tudo isso”.


“Eles nos querem quietos e tristes e temos que nos inquietar, que semear felicidade e alegria cada vez mais. Aqui em Santa Teresa, por exemplo, o Adil Tiscatti faz isso à frente do Cine Santa, a turma do Largo das Neves faz o bairro respirar com suas atividades culturais. Todos os artistas, poetas e músicos do bairro estão semeando vidas. Eu não tenho dimensão do que faço, nem o Adil, nem a Ana Durães, com sua capacidade de pintar, nem o Amir Haddad com seu teatro ou o Paulo Raimundo com suas rodas de samba. Existe muita vida nas rodas de samba no Curvelo, muita energia viva no Bloco das Carmelitas e muita beleza no pessoal do Céu na Terra. Sim todos nós estamos espalhando vida e, de certa forma, oxigenando vidas. Estamos freando o ódio de muitos a possibilidade de treva que circula. O Jornal Capital Cultural, por exemplo, faz circular vidas com suas entrevistas, com suas críticas, com o espaço que abre para os poetas, os loucos, os pensantes desta cidade. Temos que saber que eles nos querem tristes, calados, trancados em nós mesmos e os incomoda nossa liberdade. Todos nós somos malabaristas e importantes nessa engrenagem existencial.

Salomão embora tenha nascido em Jequié, na Bahia, era uma pessoa totalmente encantada pelo Rio e totalmente identificado com a cidade. Pouco antes do carnaval de 2020, quando ainda estava internado, recebeu uma bela homenagem do Bloco dos Carmelitas, onde desfilava todos os anos. Quando seu nome foi anunciado foi aplaudido por todos os foliões. Em agosto de 2021 foi homenageado pelo Dj Zod que pintou um belo mural nas paredes do Cine Santa para preservar sua memória.


“Não diria que adotei o Rio, mas sim que o Rio me adotou. Sou duplamente feliz, pois adoro o Rio e adoro Salvador. O Rio me encanta. É uma cidade que sempre me recebeu muito bem. É uma cidade afetuosa calorosa, moleque, de pessoas de alto astral. É uma cidade que mistura muita coisa. Tem essa coisa de festas populares, de mistura de gente, de riqueza nos morros e comunidades. É uma cidade misturada e amo esta mistura de povos, sotaques, cores. O Rio tem esta coisa de ser uma cidade muito gostosa de pessoas muito gostosas".

Mural pintado pelo Dj e artista plastico por Zod em homenagem a Jorge Salomão

“Nossas autoridades são imbecis, cometem gestos imbecis e atitudes imbecis. Como a mesma prefeitura que tem a capacidade de prender ambulantes não tem a capacidade de atender a parcela sem perspectiva que busca refúgio no crack. Como não acolher outra parcela que vive pedindo e dormindo nas calçadas. O dinheiro desviado possibilitaria criar centros de reabilitação. Desviam bilhões e não cuidam das pessoas da cidade, não cuidam da cidade. Os caras assumem o poder e o objetivo é um só: equipar a polícia. Hoje nossos policiais parecem verdadeiros robocops, com aquelas proteções todas, aquelas armaduras medievais, capacetes, cassetetes, revolveres modernos com bala de borracha, bombas e mais bombas. Quanto se gasta com bombas para reprimir manifestação de professores, estudantes e trabalhadores? O que reprimem? - Terroristas, sequestradores, guerrilheiros? – Não, nada disso, a repressão é contra a sociedade, contra pessoas honestas que lutam e reivindicam seus direitos.


Enquanto viver, vou lutar, vou me equilibrar, me manifestar e brigar contra toda essa estupidez. Enquanto artista, continuo indignado com tudo isso. Não tenho e nunca tive medo, pois ter medo é se omitir, é envelhecer, é compactuar, é não dar mais um passo e morrer lentamente. É preciso espalhar luz, amor e esperança e não podemos nos omitir nesta tarefa. Não podemos recuar. Não podemos temer as mortes simbólicas a que nos submetem no dia a dia. A morte real é certa e virá e, por isso, temos que lutar todas as vezes que desejarem nos matar, nos conter, nos calar!

Em suas apresentações, sempre performático, Salomão deixava mensagens que possibilitasse uma sociedade melhor e mais civilizada

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