Moradores comemoram volta da linha Paula Mattos parada há 13 anos
- Virgilio Virgílio de Souza
- 11 de jan.
- 11 min de leitura
O governador Cláudio Castro reinaugurou nessa sexta, dia 10, trecho do ramal
Paula Mattos que estava abandonado há 13 anos, mas circulação é cercada
de promessas, indefinições e desconfiança. Moradores não sabem quais
serão os horários, quantos bondes irão circular e não querem que bonde
se transforme em “bibelô de turistas” sem atender
a necessidade dos moradores
- Sonho em um dia ver esse bondinho circulando, integrando o bairro, levando e trazendo pessoas. O que não podemos perder de vista é que o bonde, muito mais que um meio de transporte, é uma magia, algo que não conseguimos definir bem, e que percorre as ruas e os trilhos do bairro, carregando os sonhos e as realidades de quem vive aqui.
Cláudio Castro exalta a volta dos bondinhos, Paulo Saad e moradores, permanecem preocupados e querem que o meio de transporte atenda a comunidade e não se transforme num "Bibelô" para turistas

A frase acima foi dita pelo artista e criador de máscaras de couro e coreografo Marcílio Barroco, (foto) morador do Largo das Neves, e foi proferida no documentário “Deixa o Bonde passar”, finalizado em 2022. Na manhã desse dia 10 de janeiro de 2025, com a presença do governador Cláudio Castro, muitos moradores, a extensão da linha Paula Mattos, paralisada desde 27 de agosto de 2013, foi reinaugurada. Marcílio estava lá e falou da sensação de ver o bonde voltar:
- Eu sempre tive um sonho, acreditava neste momento e esperava por esse momento. A reinauguração do bonde representa a vitória dos moradores que lutaram, insistiram e nunca perderam a esperança de que o bonde um dia voltaria a circular. Vivemos num mundo de muita velocidade, de muitas informações e totalmente globalizado, mas com tudo isso, e apesar de tudo isso, fica provado que é extremamente importante o poder local. Foram os moradores unidos que lutaram muito e possibilitaram a volta do bonde. Me sinto feliz e contemplado, pois sempre disse que o bonde, muito mais que um meio de transporte, era uma magia que diminuía as distâncias e fazia circular sonhos e, a partir de hoje, vejo as distâncias diminuírem e os sonhos circulando pelo bonde e pelos trilhos - completou.
A alegria de Marcílio, que contagia o bairro, e muito especialmente aos moradores do Largo das Neves faz todo sentido. Foram 13 anos de espera, de muitos governadores e promessas. Para muitos, Cláudio Castro apenas fez cumprir uma sentença judicial de 2014, que obrigava o Estado a reformar todo o sistema de bondes. Para outros, sua intenção, apesar de ser um governador de direita, é provar que é um governo democrata que governa para todos. Aos moradores, nesse momento, não importa muito se tratar de um governo de esquerda ou de direita, a única coisa que importava era que o sonho foi realizado e o bondinho estava de volta.
Cláudio Castro estava acompanhado por muitos assessores, do secretário de Transportes, Washington Reis, e pelo presidente da Central Logística, Fabrício Abílio. Além deles, políticos de Caxias e Petrópolis e de muitos “ASCONES - Assessores de Coisa Nenhuma. O governador fez o descerramento da placa de reinauguração e, em um palanque improvisado e montado no Centro do Largo das Neves, fez um discurso rápido:
Em primeiro lugar, quero cumprimentar os moradores e afirmar que não fugi ao que prometi. Cumpri a promessa que fiz aos moradores em 2020, quando estive aqui e disse que faria voltar a circular a linha Paula Mattos. Estão de parabéns Paulo Saad, presidente da AMAST – Associação de Moradores de Santa Teresa -, e todos os moradores pela luta, por não desistirem. Agradeço por terem se reunido com nossa equipe técnica e feito várias sugestões. A reabertura do ramal Paula Mattos simboliza o nosso compromisso com a preservação da história e a melhoria da mobilidade urbana. O bonde de Santa Teresa não é apenas um meio de transporte, é um patrimônio vivo que conecta gerações e encanta moradores e visitantes. Estamos devolvendo esse orgulho ao povo carioca. Disse o governador.
Momentos antes do governador, o secretário de Transporte e Mobilidade Urbana, Washington Reis, para muitos o verdadeiro responsável pela volta do bonde Paulo Mattos, por sua luta e insistência, reafirmou seu desejo de continuar lutando pelos interesses do bairro:
Acabou a espera. Hoje é um dia histórico para o Bonde de Santa Teresa. Estamos atendendo a uma antiga reivindicação da população e vamos continuar avançando. Ainda neste semestre, entregaremos a revitalização completa com o trajeto original até o Silvestre” - afirmou.
Sem querer politizar a questão e transformar a reinauguração em num muro de lamentações, e sem olhar para esquerda ou direita, mas olhando nos olhos do governador, o presidente da AMAST – Associação de Moradores de Santa Teresa – Paulo Saad o cumprimentou, e agradeceu por cumprir a promessa e reinaugurado o bondinho:“ Governador, em nome dos moradores, quero saudá-lo e parabenizá-lo por cumprir a promessa. Os moradores de Santa Teresa são gratos por sua iniciativa, pois foram muitos anos de espera.
Após o encontro com o governador, em entrevista aos vários veículos de comunicação que se fizeram presente, Saad disse sobre suas reivindicações junto ao governo:
Confesso que me sinto emocionado e sem muitas palavras. Ver esse bonde voltar a circular era um sonho de todos nós. Mas que fique claro que nossa luta não terminará aqui. São necessários mais veículos para atender os moradores e ao turismo. A situação de transporte aqui no bairro é precária. O bonde sempre foi a saída. O governador disse que deveríamos ficar vigilantes e o ficaremos. Nossa cobrança não será só e exatamente ao governador, mas aos diversos órgãos do governo responsáveis pela circulação dos bondes. Estaremos atentos aos horários, ao número de bondes em circulação, à segurança e se os bondes estarão atendendo aos moradores ou apenas aos turistas. A realidade é que hoje os bondes começam a circular tardiamente (8h) e terminam de circular muito cedo (18h). Temos poucos bondes circulando e queremos que estejam em circulação todos os 14 bondes em condições de operar, o que possibilitaria um intervalo de no máximo 15 minutos entre um bonde e outro. Quando os bondes estiverem operando nessas condições, então podemos dizer que eles estão atendendo à necessidade dos moradores – concluiu.
A jornalista Márcia Nascimento, que dirigiu o documentário “Deixe o Bonde Passar”, merece destaque nessa volta do bonde. Logo após o documentário ter se iniciado, veio a pandemia. Tudo parou, menos seu sonho de registrar o abandono do sistema de bondes e do bairro e o desrespeito para com os moradores. O fato de não ter muitos recursos a obrigou a contar com a colaboração de amigos e bancar de seu próprio bolso parte dos custos de grande parte das filmagens:
O documentário não era um sonho particularmente meu, mas de muitos e praticamente todos os moradores que viviam aquela realidade de abandono e descaso com a paralisação dos bondinhos. Hoje, com essa reinauguração, confesso que me sinto muito emocionada. A palavra que melhor poderia me definir hoje é exatamente essa: emoção. Nunca podemos esquecer que foram 13 anos de muita luta, de muita dedicação e perseverança e esse bonde só voltou em razão da insistência e perseverança dos moradores. Não podemos fazer é achar que essa luta terminou. Temos ainda muita luta pela frente.
Márcia Nascimento, Cristovan Barcellos e Getúlio Damado, moradores em luta permanente pela volta dos bondes
Que não seja uma revitalização "Meia Bomba"
Márcia, que fez um documentário com muito sacrifício e tendo que se virar como podia tem razão. Se a falta de dinheiro foi um problema para realizar seu documentário, esse não é um problema para o Estado. A manutenção de um bonde que atenda aos moradores de forma eficaz e satisfatória e que não seja apenas um “bibelô para turistas”, depende muito mais de vontade política e boa vontade. O governador reinaugurou o trajeto até a Paula Mattos, mas tudo de forma muito embrionária e com pouca transparência sobre o que acontecerá daqui para frente.
Os moradores não sabem ainda exatamente quando os bondes vão voltar a circular de forma regular, quando estarão operando e em circulação e qual o horário. Pelos comentários, nada é oficial. Inicialmente, os bondes circulariam do Largo do Guimarães (Cine Santa) até o Largo das Neves, mas isso não contempla aos moradores e estão longe de atender o que a comunidade deseja.
A indefinição e a falta de um cronograma eficiente trazem preocupações. Os moradores depois de de 13 anos de muita espera e embromação estão cansados e, com isso, a desconfiança traz uma ponta de desesperança. A fala de Fabrício Abílio, presidente da Central Logística, responsável pelo modal, que afirmou que até o final de 2026, todo o sistema de bondes estará em funcionamento, foi meio como uma ducha d’água fria:
A capacidade máxima do sistema é de 14 bondes. Até maio, vamos reinaugurar a linha Silvestre, e no meio do ano, vamos fazer a licitação de compra de mais seis bondes. O fornecedor demora quatro meses para entregar o primeiro veículo, e em seguida, as entregas são de mês em mês. A soma totalizaria os 14 bondes para o sistema.
Segundo as informações dadas por órgãos do governo, a revitalização do sistema, iniciada em janeiro de 2024 pela Secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana (Setram), incluiu a recuperação de 1,7 km de trilhos e rede aérea, além da reforma de três bondes e contratação de 34 novos profissionais, entre motorneiros, auxiliares e supervisores e o governo do Estado investiu R$ 70 milhões na obra.
A pergunta de muitos moradores é a razão pela qual não se recupera e se coloca em operação a linha Paula Mattos, uma vez que existem bondes que podem ser recuperados na garagem. Acreditam que a preocupação com a linha que atende o Silvestre nesse momento, tem apenas o objetivo de atender aos turistas.
Se há um nome que todos em Santa Teresa conhecem e respeitam, é o artista plástico Getúlio Damado, que fez a réplica de um trem de madeira em outro ponto do bairro, onde vende os muitos objetos que cria a partir de material reciclável. Presente no Largo das Neves para a reinauguração do bondinho, falou de sua sensação:
Fico muito feliz pelo bairro. Fazer esse bonde voltar a circular é uma demonstração de respeito para com todos os moradores. Essa é uma vitória de todos, pois foram muitas manifestações, muitas reclamações e a esperança é que os bondinhos possam atender a todos, pois precisamos dos turistas, mas o bonde essencialmente deve atender aos moradores. Estou aqui cheio de esperança para que esse bairro tenha por parte de nossas autoridades o respeito que merece.
Morador do Largo das Neves e um dos que sempre esteve integrado às lutas pela volta do bondinho, Cristovan Barcellos considera a data marcante e importante para todos:
- A volta da circulação do bonde até a Paula Mattos é, de fato, uma grande vitória. É como se a história voltasse a circular pelos trilhos. Só quem mora aqui consegue entender nossa emoção, pois esse bonde voltar representa dizer que conseguimos fazer reviver o que por pouco representou quase o fim de um sonho. Incompetência, estagnação, má vontade? – Nesse momento, nada disso importa, o que importa é o bonde voltar a circular e com ele parte de nossas vidas. É preciso ficar claro, entretanto, que tudo isso só aconteceu em razão da luta dos moradores. Não perder a perspectiva de luta foi fundamental. Se pensarmos bem essa paralisação representa a ausência do bonde para muitos de uma geração e isso poderia trazer algo muito ruim que era o conformismo e só não entramos nesse lugar, porque muitos moradores foram para as ruas recordaram a importância do bondinho, o que ele representa e conseguiram vencer. Não podemos aceitar que de forma sutil o bonde se transforme num transporte para turistas como muitos desejam. A luta por um bonde popular que atenda aos moradores deve ser nossa pauta daqui para frente – encerrou.

Bonde da Paula Mattos:
Quando a luta obriga a comemorar com o inimigo.
O jornalista tem pressa. Quer escrever. Tem que noticiar primeiro – “vender” a informação em primeira mão. A notícia, o fato, a velocidade do fato se transformaram numa espécie de certificado de competência. Acabou o romantismo, é preciso mesclar agilidade e conteúdo. Dilema cruel, pois além dos “coleguinhas concorrentes”, o jornalista enfrenta o universo das novas tecnologias.
As redes sociais transformaram-se em um universo onde qualquer pessoa se credencia em um jornalista em potencial. Pessoas que se escondem atrás de um pseudo anonimato, estarão ao vivo e a cores em todos os lugares transmitindo ao vivo – mesmo sem nenhum conteúdo. A finalidade não é o compromisso com a verdade e os fatos, mas apenas curtidas, likes, prestígio.
Foi com essa sensação que voltei para redação após a reinauguração do sistema de bondes de Santa Teresa que, depois de 13 anos, voltará a circular na Linha Paula Mattos. O bairro como um todo e, muito especialmente, o Largo das Neves, sempre foi um espaço de vanguarda com tendências de esquerda. Não é para menos: no início da década de 70, os adeptos do movimento hippie escolheram Santa Teresa como local preferencial.
Mais ou menos no mesmo período, aquelas ladeiras, com suas muitas escadarias e seus casarões serviu de abrigo para muita gente que se opôs à ditadura militar, tanto que, em 1969, uma casa no lado oposto ao bairro e bem próxima ao Rio Cumprido, serviu de esconderijo a Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados sequestrado pela Ação de Libertação Nacional (ALN) e pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) em protesto contra as torturas da ditadura que era apoiada pelos EUA.
Os anos 70 se foram e levou o movimento hippie. O país ainda demoraria para se livrar dos ditadores e das garras afiadas da "Operação Condor". Os tempos mudaram, mas Santa Teresa não. O bairro hoje é habitado por operários, artistas, poetas, músicos, produtores culturais e muitos acadêmicos – mestres e doutores -, dentre outras pessoas com tendências libertárias. É um lugar cheio de lembranças, de memórias e merece respeito porque pisaram naquele chão figuras como Taiguara, Chico Science e Geraldo Azevedo, dentre muitos outros. Um brinde ao saudoso Jorge Salomão.
Voltei pensando no que vi na reinauguração dos bondinhos, na imensidão simbólica do bairro, em sua tranquilidade – um lugar que parece ter parado no tempo. A imagem dessa totalidade me custou sair da cabeça. Um bairro cercado por trilhos e portais, onde muitos abominam as ideias reacionárias de setores da direita, onde pessoas crucificam os defensores do uso de cloroquina, e sentem verdadeiro repúdio aos que “passam pano” ao Golpe de 1964, realizado e idealizado por iniciativa de gente “vagabunda, ordinária e autoritária”.
Um lugar onde grande maioria apoia o ministro Alexandre de Moraes, o popular Xandão, o defendem e acham que ele deveria “fumar um, ficar totalmente relaxadão e meter na cadeia todos os envolvidos na tentativa de derrubada dos poderes em 8 de janeiro de 2022. Sem Anistia é quase que uma máxima dentre os moradores. Por falar em Golpe, em ditadura, passando no Guimarães, vejo no Cine Santa em cartaz o filme “Ainda Estou Aqui”, uma lembrança assustadora daqueles tempos sombrios.
Tudo isso me trouxe um sentimento de perplexidade, ver todas aquelas pessoas diante de um governador conservador, reacionário, bolsonarista que demonstrava segurança, orgulho em estar ali e se manteve firme em suas palavras. Cláudio Castro, por mais que parece um estranho no ninho da democrática Santa Teresa, realizava um antigo sonho de toda aquela comunidade que era a reinauguração do sistema de bondes.
Outro morador, um pouco mais afastado, fez uma piada: tomara que ele inaugure logo, antes que perca o mandato. Possivelmente, se referia às denúncias que pesam contra Cláudio Castro que, juntamente com seu vice Thiago Pamplona (MDB); o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado Rodrigo Bacellar (União Brasil); e outros seis réus são acusados de irregularidades na contratação de cabos eleitorais feita por meio da Fundação Ceperj e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O julgamento foi adiado em razão do recesso de dezembro de 2024 e será retomado nessas primeiras semanas de 2025. O governador é ainda investigado e foi denunciado pela polícia Federal, com autorização do STJ, por corrupção passiva, desvio de dinheiro e peculato em programas assistenciais do governo entre 2017 e 2020, período em que ele era vereador e vice-governador.
A reinauguração do Ramal Paula Mattos foi para muitos uma tragédia, para outros uma comédia, pois chega a ser hilário ver um governador de direita num bairro que pode ser considerado de esquerda. De meu canto, não vejo nem comédia, nem tragédia. Vejo apenas que definitivamente vivemos um mundo multipolar, com a esquerda perdida sem saber encontrar um caminho e a direita se arvorando a ser o caminho. Mas independente de esquerda ou direita, de reacionários ou vanguardistas, tudo que aconteceu foi o fruto de muita luta, da persistência e dedicação dos moradores que há 13 anos se mostram aguerridos, incansáveis e em momento algum deixaram a luta de lado.
Termino esse texto sem a pressa das redes sociais que precisam postar, sem a ânsia dos jornalistas que precisam elaborar o mais rápido que puderem suas matérias, e com uma convicção: muito acima do mundo multipolar, da força da grana, do poder da política, das esquerdas e das direitas mais vale o poder local, a luta cotidiana dos moradores, das comunidades, das pessoas agindo coletivamente em prol de uma causa. Foi isso, exatamente isso, que fez o bonde da Paula Mattos voltar a circular.

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