Não é entre Lula e Bolsonaro, é entre a civilidade e a barbárie.
O candidato à presidência da República Ciro Gomes (PDT) - Partido Democrático Brasileiro - pode estar diante de uma situação complicada e que jamais imaginou. Pessoas influentes, que ajudaram a fundar e a desenvolver o partido, se mostram insatisfeitas com suas ofensas contra Luís Inácio Lula da Silva (PT). Já se tornou público, que uma ala progressista do PDT vai publicar a nível nacional, no próximo dia 20, um documento pregando voto útil em Lula para que a eleição seja decidida em primeiro turno. No Rio, haverá um ato no Sindicato dos Engenheiros, em horário ainda não definido, em defesa do voto útil.
Criado em 1979 por Leonel Brizola com o apoio do presidente de Portugal Mário Soares e da Internacional Socialista o PDT sempre foi um partido progressista e de esquerda. Para muitos dos fundadores e militantes, seria uma vergonha à memória de Brizola, a sigla colaborar para que Bolsonaro chegue ao segundo turno. O lema desse grupo é "voto útil contra o inútil"
Os representantes do manifesto do grupo denominado “Dissidentes do PDT”, estão convencidos de que Ciro não tem nenhuma chance de chegar ao segundo turno, e que o país esta diante de uma situação atípica e que não se trata simplesmente de um confronto entre Lula e Bolsonaro, mas sim entre a barbárie e a civilidade.
Pior que isso: muitos entendem que a postura de Ciro faz com que ele se transforme numa "linha auxiliar" do Bolsonarismo e que suas declarações servem de munição ao atual presidente. Alguns nomes que fazem parte do movimento, salientam entretanto, que estarão com Lula nesse momento, mas que isso, não representa que são apoiadores do candidato e, que uma vez passada as eleições e consolidada a derrota de Bolsonaro, serão oposição a Lula ao que denominam de Lula-Petismo. Um brizolista histórico do Rio, que ajudou a fundar o PDT, e era próximo ao ex-governador Leonel Brizola e prefere não se identificar para não criar cisão, deixou clara essa situação:
- Repetindo Brizola no segundo turno das eleições de 1989, "vamos ter que engolir o 'sapo barbudo'. Isso, porém, retratava uma realidade bem diferente, e aconteceu em outra conjuntura. É algo totalmente diferente ter que engolir o "Lula-Petismo", com Geraldo Alkmin e esse bando de liberais. É outra realidade e um cenário completamente diferente. O Ciro deveria olhar para a trajetória de Brizola, para a grandeza de Darcy Ribeiro, para a história do PDT e ter uma postura mais digna e pensar no país e não só em seu umbigo. Apoio o voto útil contra o inútil, mas no dia 2 de janeiro, já estarei na oposição" - afirmou um dos fundadores do PDT no Rio, que comprou a ideia de que o importante nesse momento, é extirpar Bolsonaro.
Um trecho do documento relevado à imprensa, não poupa críticas ao candidato do PDT: “Aquele Ciro que conseguia se manter numa sintonia fina com o campo progressista já não existe mais. Diante disso, nós que apoiamos Ciro entre 2014 e 2018, clamamos aqueles que possuem a mesma visão a não vacilarem, apoiando a única candidatura capaz de derrotar o Bolsonarismo nas eleições desse 2 de outubro”. Em outro trecho o documento enfatiza: “Não se trata de voto útil. Lamentamos ver Ciro Gomes, uma figura ímpar para pensar o desenho institucional do país, ser incapaz de enxergar essa quadra da história. Diante disso, convocamos militantes trabalhistas e dissidentes a apoiarem o ex-presidente Lula no primeiro turno.
Uma das primeiras vozes a se levantar e se opor O PDT em decorrência das transformações que o partido vinha sofrendo, e contra a candidatura de Ciro quando percebeu que as eleições ficariam polarizadas entre Lula e Bolsonaro, foi Leonel Brizola, neto do ex-governador Leonel Brizola, criador do PDT. Após ter participado do PDT por muitos anos, ele que passou a ser um crítico do partido, se transferiu para o PSOL e desde novembro de 2021 se filiou ao PT, por onde concorre ao cargo de deputado federal: “Tenho defendido com toda minha energia e dito o seguinte: Bolsonaro não pode sequer chegar ao segundo turno. Não é mais uma questão de voto útil, mas de sobrevivência da civilização. A barbárie foi longe demais em nosso país”
E prossegue:
- Nós, brizolistas, no ano de seu centenário, temos a obrigação de não deixar o legado do ex-governador cair em esquecimento. Somos seus herdeiros políticos e o momento que estamos vivendo nos convoca a uma tarefa histórica, que é eleger Lula presidente. Não podemos esquecer o “gesto de grandeza” de meu avô que, em 2002, percebendo a simbologia daquela eleição e a conjuntura política, deixou de apoiar Ciro Gomes, que era seu candidato, para apoiar Lula no primeiro turno”
Cristovam Buarque, com laços no PDT, Roberto Siqueira, um dos fundadores do Partido e Leonel Brizola Neto defendem o voto útil e criticam a postura de Ciro Gomes
Um ótimo nome que se perdeu Qualquer pessoa minimamente informada sabe que Ciro Gomes - por seu conhecimento e experiência política -, é um dos nomes em melhores condições de assumir a presidência desse país. Ciro, porém, é criticado por ter ter viajado para Paris após as eleições de 2018 e continuou vacilando ao se colocar como dono da razão e o único salvador da pátria - em alguns momentos, chega a lembrar a obsessão desenfreada de Carlos Lacerda - que com sua postura acabou por contribuir com o golpe militar de 64 -, ou Aécio Neves - figura central no Golpe de 2018 contra a presidente Dilma. Lacerda e Aécio - ambos -, com a paranoia de querer a faixa presidencial a qualquer preço, colaboraram decisivamente para dois momentos de profundo retrocesso do país .
A esperança é que Ciro não colabores para outro período de retrocesso. Como diria o poeta: "que não colabore para mais uma página infeliz de nossa história, pois a pátria mãe, continua sendo subtraída". Talvez seja hora de Ciro refletir, pois os ataques contra Lula e o Partido dos Trabalhadores não fez sua campanha decolar - em momento algum chegou a dois dígitos.
Faltando pouco mais de vinte dias para as eleições e com um quadro polarizado e praticamente definido, os mais progressistas entendem que a eleição não é entre Lula e Bolsonaro e sim, sobre progredir ou continuar retrocedendo. Muitas dessas pessoas nem admiram Lula e criticam sua gestão e o período que o PT esteve no governo, mas entendem que a permanência do presidente Jair Bolsonaro, por mais quatro anos é o pior cenário para os brasileiros.
O rompimento com Ciro vem de todos os lados. Um exemplo é o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, figura histórica e um dos fundadores do PDT. Próximo ao ex-governador Leonel Brizola, ele chefiou a Casa Civil no segundo governo de Brizola (1991 -1994) no Rio de Janeiro. Siqueira não consegue esconder seu desencanto:
- Acho muito injusto o que Ciro Gomes está fazendo com o Lula. São críticas muito despropositadas e injustas, que divergem do atual momento de polarização eleitoral que estamos vivendo. Se Ciro Gomes tem apreço à sua trajetória política, que ele proclama ser de centro-esquerda, ele tem que atacar o candidato Jair Bolsonaro, um fascistóide completo, desqualificado e ignorante, que divide o país e leva o Brasil para uma ruptura física com um discurso de ódio e golpista.
Outros nomes de peso no PDT e sempre fiéis ao partido também defendem o voto em Lula. É o caso de Gabriel Cassiano ex-aliado e defensor de Ciro por muitos anos, que se aliou ao PT na atual conjuntura e é um dos idealizadores do documento. Além dele, integram o movimento os vereadores do PDT em João Pessoa, Junior Leandro e Betinho; André Luan, ex-diretor da Fundação Leonel Brizola em Minas Gerais; e Vinicius Dino, ex-secretário Geral da Juventude Socialista de São Paulo.
A agressividade e falta de um norte tem feito Ciro perder aliados e arrumar desafetos. Esse é o Caso, por exemplo, do ex-governador e ex-senador por de Brasília Cristovam Buarque que, desde o final de 2021, vem alertando para a agressividade de Ciro contra a esquerda. Militante do “Ação Popular”, grupo de esquerda ligado a ala da Igreja Católica que se opunha a Ditadura Militar no início da década de 70, Buarque, em 1973, foi para a França onde cursou doutorado em Economia pela Universidade Panthéon-Sorbonne (Paris).
Voltou ao Brasil, se juntou ao PT, foi ex-ministro da educação de Lula, mas rompeu com o Lula-Petismo de forma radical, a ponto de votar pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rosself. Se transferiu para o PDT e atualmente, é filiado ao Cidadania. Ele sempre se disse inclinado a votar em Ciro, mas recentemente, ao que parece, mudou de ideia. Ficou irritado com a postura de Ciro que, repetindo o ex-presidente Donald Trump (EUA), em relação a Joe Biden, fez uma postagem nas redes sociais sugerindo que Lula estaria doente e debilitado. Na postagem Ciro questionou: “Será que vocês não estão vendo que Lula não tem capacidade física e psicológica para enfrentar esta direita sanguinária”. Ao comentar a publicação, Cristovam Buarque publicou em suas redes: Não há dúvida que a saúde física de Lula está melhor que a saúde mental de Ciro" e completou: “Cada vez que ouço os destemperos do Ciro, no estilo Bolsonaro, aumenta a percepção de que o melhor nome é Lula.
Continua após o anúncio
Ciro rebate: são covardes os defensores do voto útil
Ciro Gomes não pareceu preocupado e nem se deixou intimidar por uma possível campanha pelo voto útil. Prosseguiu fazendo críticas a Lula e resolveu bater de frente contra todos aqueles que defendem a proposta, chamando-os, dentre outras coisas, de covardes. Depois da notícia que integrantes do PDT iriam defender o voto útil, fez uma série de postagens em suas redes sociais. Em uma delas foi direto: “são autoritários e covardes os que fazem qualquer negócio para ganhar no primeiro turno”.
Em outro vídeo, onde aparece a imagem de um casal de evangélicos, sobreposta por uma locução que questiona se eles deveriam mudar de religião porque 'os infiéis são fortes e ameaçadores'. E num terceiro vídeo, traz um rapaz com farda do Exército e uma mulher pergunta: 'O que você diria a alguém que mandasse você fugir covardemente porque seu país estava ameaçado de invasão?'. A própria voz de Ciro, então, responde: 'Para eles, voto útil é tornar sua coragem inútil'.
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, faz coro com Ciro e rejeita o "voto útil" em Lula e argumenta que, se for seguida essa tese poderemos as abolir a eleição:
"Voto útil só serve aos inúteis. Quem imagina que eleição é corrida de cavalo, para escolher o que a pesquisa diz que vai ganhar, daqui a pouco, com esse pensamento de inutilidade, nós vamos abolir a eleição. Se a pesquisa diz quem vai ganhar, para que votar?", - comentou
Comments