"O show tem que continuar"... O dilema de uma Lapa silenciada
Atualizado: 11 de jun. de 2021
Samba necessariamente é sinônimo de aglomeração, gente cantando, dizendo no pé, mas com a pandemia, as medidas de restrições e pessoas assustadas o samba se silenciou nas quadras, na Avenida, nos blocos e, muito especialmente na Lapa, onde a maioria das casas vive exatamente desse ritmo musical. Ponto de maior visitação da cidade durante a noite, com as restrições impostas de que casas de shows devem encerrar suas atividades às 23h, as ruas da Lapa ficaram vazias e o bairro passou por uma grande transformação. Muito além do silêncio dos espaços fechados há uma angústia no ar, a angústia da ausência.
O momento adverso que a Lapa enfrenta pode ser observado exatamente em dois dos principais equipamentos culturais da cidade: Circo Voador e Fundição Progresso que permanecem com suas atividades totalmente paralisadas desde março de 2020, quando se decretou o primeiro lockdown e o pior: sem uma previsão de quando poderão reabrir. Nesse contexto, como alento resta a programação da Sala Cecília Meirelles, uma das casas de concerto mais importantes da América Latina, que cumprindo todas as medidas restritivas vem realizando alguns eventos,
Circo e Fundição com seus muitos shows e os principais nomes de nossa música e atrações internacionais movimentam a Lapa. Não bastasse isso, realizam espetáculos teatrais, aulas de capoeira, dança, yoga, palestras e muitas outras atividades. Sem a movimentação dessas duas importantes casas a Lapa já perde em muito seu brilho, sua alegria, sua magia.
Perfeito Fortuna que administra a Fundição diz que não sabe o que fazer e não tem ideia de quando a Fundição vai reabrir. Apesar de lamentar o momento difícil que toda sociedade atravessa afirma que o mais importante nesse momento é pensar em preservar a vida:
- A casa está fechada, mas os custos de sua manutenção não. Temos que pagar água, luz, limpeza, segurança dentre outras muitas coisas. É triste o momento que vivemos, mas só temos duas opções: ou preservamos os negócios ou preservamos a vida, ainda não encontramos um ponto de conciliação. Não dá para pensar em reabrir a Fundição enquanto esse quadro de propagação do vírus não diminuir. É inimaginável pensar num show sem aglomerações. É claro que depois de um ano de restrições e proibições as pessoas querem se encontrar, cantar, comemorar, mas seria muita irresponsabilidade e falta de compromisso com a vida qualquer iniciativa nesse sentido. Quando as coisas melhorarem e tudo isso for passando vamos abrindo de forma lenta e gradual, primeiro os cursos, espetáculos teatrais e mesmo os shows de menor porte, mas ainda não dá para pensar nisso, o melhor é seguir a ciência, os estudiosos, os pesquisadores e ficar em casa para preservar a vida.
Maria Juçá que administra o Circo Voador também lamenta a triste realidade que a pandemia impôs à sociedade como um todo. Lembra que quem vive do segmento de serviço, cultura e entretenimento, se vê diante de uma situação extremante complexa, pois como se pode realizar qualquer tipo de evento com os números de contaminados num patamar extremamente alto e com tantas morte acontecendo cotidianamente:
- É óbvio que o momento é extremamente difícil que as perdas financeiras são enormes, mas que a principal preocupação deve ser com a vida e com o bem estar das pessoas. Sempre me perguntam quando iremos reabrir e no Circo nos reunimos e tomamos uma decisão: o Circo só reabrirá quando 70% das pessoas estiverem vacinadas. Acreditamos que essa é uma demonstração de respeito para com as muitas pessoas que frequentam o Circo , com nossos funcionários, com os artistas que se apresentam na casa. Na contramão da imunidade de rebanho, vamos apostar na vacinação de rebanho. É preciso trabalhar, é preciso pensar na economia, em pagar contas e salários, mas antes de tudo, é preciso pensar na vida. É preciso pensar em nosso bem estar e em estarmos saudáveis.
Uma indefinição que gera desespero
Os proprietários de restaurantes e as casas de menor porte se mostram assustados, acuados com o momento caótico que a cidade e o país atravessam. Thiago Cesário Alvim, presidente do Polo Novo Rio Antigo e proprietário do Carioca da Gema, considerado uma das principais casas de samba da cidade não esconde sua preocupação:
- Nas conversas que tenho com proprietários de outras casas a preocupação é geral. Muitos já não sabem o que fazer e até quando vão resistir a essa pandemia. Por toda cidade muitas casas não suportaram tanto tempo de isolamento e indefinição e fecharam as portas. No Carioca da Gema ficamos muito tempo fechados, reabrimos com capacidade limitada e agora fomos obrigados a fechar novamente. Confesso que não há o que falar e só nos resta aguardar e torcer para tudo isso passar. Vamos ver quem vai suportar toda essa crise – comenta.
- Ao lado do Carioca da Gema fica localizado o Café Cultural Sacrilégio, outra importante casa no cenário do samba carioca. Lucas Pimentel, proprietário da casa não esconde sua indignação com a indefinição e a indecisão de nossos governantes, que em sua opinião, deixa todo mundo perdido:
- As determinações de abrir e fechar o comércio com cada governante traçando medidas de restrições à sua maneira gera muita insegurança. Você não sabe se pode ou não trabalhar. Em alguns momentos olham pelo lado da economia e mandam abrir, depois decidem escutar os pesquisadores, os médicos, pensam na vida e mandam fechar. Eles estão perdidos e nós arcamos com as consequências. Estamos em momento delicado, pois tudo isso vem se prolongando, as pessoas começam a ficar completamente esgotadas e isso leva à depressão. Se no início tivéssemos montado uma estrutura bem articulada, comprado vacinas, feito uma campanha de conscientização, seguramente, as coisas estariam em outro patamar, confesso que diante de tudo isso, não se sabe onde vamos parar.
- As dificuldades acontecem em vários níveis. Como a maioria das empresas estão funcionando em home office, é ruim não ver essas pessoas, saber como estão. Nossa fonte de renda é a prestação de serviços e com as restrições e tudo fechado tivemos uma queda de 70% em nosso movimento. Cumprimos todas as medidas exigidas, fazemos distanciamento, e ainda assim o movimento é muito pequeno. Não critico e respeito às medidas de restrição, pois entendo que antes da economia, é preciso pensar na vida. Penso apenas que nossos governantes deveriam ser mais responsáveis com um planejamento que, de fato, funcionasse. Não adianta o prefeito querer uma coisa, o governador outra e o governo federal falar outra totalmente diferente. Eles são nossas lideranças e com cada um determinando uma coisa a sociedade fica completamente perdida. Chegamos ao ponto que já existem pessoas que duvidam e questionam a ciência – completa.
- Esse período funcionamos em apenas 40 dias - 13 de novembro a 18 de dezembro. Quando vi um número alto de mortes por dia me assustei e fiquei preocupado. Nossa casa, a exemplo da maioria das casas da Lapa, tem um problema de ventilação, pois não temos janelas laterais e estaria sendo muito inconsequente e irresponsável em expor as pessoas, Colocaria em risco minha própria vida, além da vida dos funcionários, dos músicos e das pessoas que frequentam a casa. Hoje a realidade é muito pior, pois as pessoas estão morrendo nos corredores dos hospitais e não podemos ignorar isso. Diante da realidade que vivemos decidimos que só vamos reabrir quando a maior parte da população estiver vacinada e protegida. Por outro lado, há a questão econômica. Apesar de ter conseguido uma redução do aluguel com o proprietário, tenho que pagar água, telefone e impostos. A pergunta é: como equacionar isso se não temos receita. A solução que encontramos foi a realização de vaquinhas virtuais. Temos feito várias vaquinhas e felizmente encontramos amigos e frequentadores solidários que nos ajudam a segurar as despesas da casa enquanto estamos fechados. Lamentavelmente temos um presidente sem qualquer preparo para administrar o país e ficou ainda mais perdido com a pandemia. Estamos entregues à própria sorte e só nos resta escutar a ciência.
Ximeninho, uma exceção em meio ao caos
O lockdown decretado em março do ano passado causou muita preocupação e desespero em muitos comerciantes. Na contramão da paranóia coletiva Eriberto Ximenes proprietário da Rede Ximeninho com quatro restaurantes no centro sentou com seu sócio Régis e decidiram que permaneceriam trabalhando através de delivery e aproveitariam a parada forçada do lockdown realizarem algumas reformas e trabalhos de melhorias nos restaurantes que administram.
Foi uma decisão acertada, pois com o fim das restrições os restaurantes estavam pintados, com uma decoração mais moderna, novas mesas e em condições de realizar um serviço que atendia todas as exigências dos órgãos públicos para um funcionamento normal. Ximenes lamenta as novas medidas de restrições, mas diz que acima de tudo está a vida, pois de nada adianta ganhar dinheiro em um dia e no outro estar entubado em cima de uma cama sem saber se vai sobreviver:
- É claro que existe o lado da economia e isso é preocupante, pois as pessoas precisam trabalhar para garantir seus salários, mas por outro lado existe o direito à vida, o que pra mim é mais sagrado. Estamos lidando com uma doença que não sabemos bem o que é e nem aonde vai nos levar. Eu de minha parte prefiro orar, pedir proteção e acreditar na ciência. Não podemos negar a ciência e suas recomendações. Se eles, os médicos, pesquisadores e pessoas que estudam o assunto nos recomendam parar, é isso que temos que fazer. A vida é o bem mais precioso.
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