O vazio da insubordinação bolsonarista
No início de novembro, após o resultado da eleição, uma multidão invadiu os arredores do Palácio Duque de Caxias, protestando com a vitória de Lula. Nesse início de dezembro esse número ficou extremamente reduzido com pouco mais de 50 manifestantes
Observar a movimentação nos arredores Palácio Duque de Caxias, ao lado da na Central do Brasil, Centro do Rio de Janeiro, passou a fazer parte do cotidiano do carioca. Ali, desde o dia 30 de outubro, quando foi proclamado o resultado das eleições, a área se transformou no Quartel General bolsonarista. Inspirados em Bolsonaro que insiste em não aceitar a vitória da oposição. No melhor estilo Donald Trump, mesmo antes das eleições, e diante de uma possível derrota, em razão da péssima administração que realizava, questionava as urnas eletrônicas.
Além de nosso "Trump dos Trópicos", a invasão em frente ao Palácio Duque de Caxias e muitos outros quartéis no país recebe o apoio de empresários que decidiram bancar essas manifestações. Tem também um papel importante nessa algazarra, bispos reacionários e um pequeno, porém barulhento grupo de militares da reserva, que incentivam os atos antidemocráticos. Bolsonaro, militares da reserva, bispos ociosos e empresários inescrupulosos, mantém o claro objetivo de afrontar a Constituição, defendendo um Golpe de Estado.
Incentivados e patrocinados por essas figuras, um número considerável de pessoas de extrema direita - cerca de 2 a 3 mil pessoas - carregando faixas, cartazes, e megafones -,passaram a protestar esperando que o exército dê um golpe. Não aceitavam o resultado do pleito e a vitória de Lula da Silva. Felizmente, os militares da ativa não caíram no canto dos inconformados e o TSE - Tribunal Superior Eleitoral - na figura de seu presidente Alexandre de Moraes, resolveu agir com rigor decretando mandatos de busca e apreensão, contra os patrocinadores da baderna e punindo os disseminadores de fake News. A caneta de Alexandre de Moraes funcionou como um verdadeiro "sossega leão" nas pretensões golpistas.
O quadro inicial parecia desolador e beirava ao absurdo, pois diante dos olhos do prefeito Eduardo Paes e do governador Cláudio essas pessoas que defendem um Golpe, montaram um grande acampamento muito bem estruturado - água, luz, banheiro quimico e refeitório -, e, com isso, conseguiram interromperam os serviçoes do VLT - Veículo Leve Sobre Trilhos - causando transtorno à população.
A inércia de nossos governantes foi uma clara demonstração de que a polícia de Castro e a Guarda Municipal de Paes, são verdadeiros tigrões e agem na base de tiro, porrada, e bombas contra professores, estudantes e ambulantes, mas se comportam como "thuthucas" com os bolsonaristas. O exército, que necessariamente, deveria fazer alguma coisa, uma vez que os arredores do Quartel é de responsabilidade das Forças Armadas, também não fez rigorosamente nada.
Um ambiente estranho
Conversar com aquelas pessoas que, quase em sua totalidade, se vestem de verde e amarelo e empunham bandeiras e cartazes e saber exatamente o que pensam e porque permanecem ali não é uma tarefa das mais fáceis. Para apurar essa matéria foram muitas idas (pelo menos seis), muita observação e muita atenção, pois algumas dessas pessoas, não demonstram qualquer receptividade, têm cara de poucos amigos e, em alguns casos, olhares ameaçadores.
São manifestantes curiosos, parece que vivem em um mundo paralelo, pessoas que, em sua maioria, se dizem cristãs, patriotas e adotam o lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Coletivamente, parecem que lutam por um mesmo propósito, uma causa justa, algo em comum, mas individualmente parecem fechadas em um mundinho particular, fora de sintonia e, em alguns casos, dizem coisas sem qualquer nexo - verdadeiras vozes desconexas. Lembram em muito os integrantes da Marcha da Família em 1964. Como diria Rita Lee: “De longe as pessoas são todas iguais, de perto em conheço esse rosto de outros carnavais”.
Quando abordados, demonstram um ar de total ojeriza e a primeira pergunta que fazem é para qual órgão você trabalha? A repugnância aos meios de comunicação e aos jornalistas é algo inacreditável. A Rede Globo, chamada de "Globo-lixo" é o principal alvo. Alguns até concordaram em falar, mas com a condição de não serem identificados e muitos menos que qualquer foto seja tirada.
Motivos de piadas e chacotas com jargões do tipo “militares salvem o Brasil” e “S.O.S Jesus ,salve nossa pátria”, eles não aceitam a vitória de Lula, já questionam autoridade do presidente Bolsonaro, chamam parte do exército de melancia e, desde o resultado das eleições, esperam pelas próximas 72 horas, certos de que haverá uma intervenção militar.
Em todo esse contexto, o inimigo comum, tido como o próprio satanás é Luís Inácio Lula da Silva, o “nove dedos”. Quase todos acreditam que o presidente eleito e que tomará posse no próximo dia 1, vai trazer o comunismo, liberar as drogas, autorizar o aborto, acabar com a estrutura familiar e transformar o Brasil numa nova Cuba ou Venezuela. Mas existem outros inimigos e, Alexandre de Moraes, chamado de “Xandão do PCC”, que vem punindo bolsonaristas, é outro alvo a ser abatido, pois também quer ver o comunismo implantado.
As águas ficaram turvas dentre os defensores da pátria. Após o resultado das eleições, em razão do que consideram omissão, Jair Bolsonaro, já não é mais tratado por muitos como um mito, um “messias” e salvador. A postura que o presidente tomou e o silêncio que adotou faz com que seja chamado de covarde, frouxo e isentão. O exército chamado a salvar o Brasil também passou a ser alvo de críticas. Alguns generais que estiveram e estão ao lado de Bolsonaro são chamados de bundões, cuecões e, que, no fundo, se parecem com melancias - verdes por fora, mas vermelhos por dentro.
Depoimento surreais
Embora demonstrando muita desconfiança, a primeira pessoa que concordou em falar foi uma professora de aproximadamente 60 anos que mora em Bonsucesso e todos os dias, sagradamente, vai à Central do Brasil entre 8 e 14 horas protestar contra o resultado das eleições. Simpática, muito bem articulada, com uma bandeira do Brasil jogada sobre os ombros, ela expôs seus motivos:
- O Lula não pode assumir, pois não queremos que o Brasil se transforme numa Venezuela ou Cuba. A intenção desse ex-presidiário é criar uma moeda comum com esses países. Imagine o inferno que o Brasil vai se transformar. Essa coisa de avacalhar o Brasil, de quererem que nos transformemos em um país comunista vem de longe. Isso começou com o Brizola quando criou os CIEPS e quis alfabetizar e educar esses meninos de favelas e da periferia. Eu era professora e sei do que estou falando. Os meninos não sabiam escrever, não sabiam comer direito - mastigavam com a boca aberta-, não tomavam banho e fediam em sala de aula. Tudo começou ali. Ele quis criar o “socialismo moreno” – um absurdo.
Uma senhorinha, amiga da professora que ouvia o depoimento e, inicialmente, não queria falar, decidiu intervir:
- Professora, a senhora tem toda razão. Depois do Brizola com esse “socialismo moreno”, veio o Lula criando programas que beneficiava essas pessoas. O que eles queriam e continuam querendo, é doutrinar, fazer essa gente acreditar que todos temos os mesmos direitos e que a solução é tirar das pessoas mais ricas, dos empresários que movimentam o país. Querem colocar os mais ricos contra os mais pobres. Os pobres têm dificuldades de pensar e isso ficou provado nessas eleições, quando os nordestinos, os mais pobres do país, votaram em peso no “Nove Dedos”. Que fique claro que não estou aqui pelo Bolsonaro. Ele começou bem, mas foi se tornando um frouxo, que agora depois das eleições vem tendo uma atitude covarde e não dá as caras. Ele não representa as forças armadas e com seus filhos devem muitas explicações. Se continuar com essa atitude covarde vai ser preso, pois quem muito se abaixa, acaba mostrando o que não deve - completou.
A professora retomou a palavra:
- O Bolsonaro se transformou numa grande decepção. Enfiou o rabinho no meio das pernas e agora anda choramingando pelos cantos. Ele queria nosso apoio, tem o nosso apoio, mas vem tendo atitudes covardes, de um verdadeiro frouxo. Estou também decepcionada com os militares, esperávamos que fizessem alguma coisa para salvar a pátria, mas estão se omitindo e se escondem no momento que a pátria mais precisa deles. Tem gente de alta patente verde por fora, mas que é vermelho por dentro e simpáticos a essas ideias de socialismo e maior prova disse é que não fazem nada. Esse Alexandre de Moraes esta fazendo o que bem entende. Ninguém pode mais ter opinião, não há liberdade de expressão, quem fala, que acaba ameaçado ou preso - comenta.
Um pouco mais adiante, um rapaz negro, cabeça raspada de aproximadamente 25 anos, cantava entusiasmado o hino nacional, ao lado de uma bela moça de olhos castanhos e cabelos cacheados que parecia um pouco mais jovem. Terminado o hino, eles se sentaram no meio fio e aproveitei a ocasião. Me aproximo e pergunto de forma direta: “vocês não querem a posse do Lula, acham que terão sucesso nesse pleito? Se dizendo morador da Ilha do Governador e estudante de Geografia na UFRJ, com um olhar que demonstrava seriedade, de forma direita, ele responde:
- Não, não acho, mas espero que essas manifestações que acontecem em todo país sirva como um marco contra essa esquerda lunática que só sabe roubar. Não sigo pastores evangélicos ou entro nessa balela de comunismo ou socialismo. Meu protesto é contra a roubalheira que o PT comandado por Lula fez saqueando esse país e, que se assumir, fará de novo. Essa gente de esquerda não tem escrúpulo, não está preocupada com o país, com o bem-estar social ou com melhorias, a preocupação deles e roubar, se aproveitar, se locupletar. Estamos aqui por livre e espontânea vontade, mas nas manifestações de esquerda, do PT, PSOL e PCB, o que vemos é um bando de assessores, pagos pelo próprio partido ou por deputados, senadores e vereadores convocando as manifestações. Esses assessores, na verdade, são cabos eleitorais, não estão preocupados com nada, a não ser com o salário que vão receber de seus parlamentares. São uns escrotos transvestidos de moralistas e esquerdistas - comentou.
Pergunto para moça que o acompanha se ela acredita no sucesso das manifestações Muito simpática, porém dizendo que não queria ser identificada para não ser perseguida por esquerdopatas, ela com um leve sorriso responde com tranquilidade:
- Não tenho ladrão de estimação e também não sou uma admiradora ou seguidora do Bolsonaro. Ele e seus filhos terão que explicar muita coisa, muitas mutretas. Acredito, porém, na seriedade das forças armadas e não tenho dúvidas que só eles podem tirar o país desse mar de lamas. Daí, tento implorar aos homens sérios de nosso exército para que se sensibilizem e grito: “Forças armadas, salvem o Brasil”. Não tenho vergonha de estar aqui e tentar colaborar para a construção de um país melhor. Não posso me envergonhar de minhas convicções. Muitas dessas mulheres que lutam por melhores qualidade de vida nas favelas e contra o genocídio do povo negro até são sérias e acreditam numa causa, mas muitas delas só estão ali por serem patrocinadas, ocuparem carguinhos públicos e trabalharem como cabo eleitoral. Não abrem mão da boquinha sobre nenhuma hipótese. Lutar por um país melhor é lutar contra essa gentalha – completou.
Bolsonarista convicto “Seu” Basílio de Castro, aposentado da Polícia Militar e morador de Botafogo, não se exime em falar seu nome, mas não concorda com fotos. Ele explica razões pelas quais participa das manifestações:
- A esquerda, os meios de comunicação, artistas e outras pessoas que se acham importantes criticam e falam mal do presidente Bolsonaro pelo fato dele ter implementado o lema “Deus acima de todos, e Brasil acima de tudo”, e por defender a família, ser contra aborto, o uso de drogas e se cercar de bispos e religiosos. Qualquer pessoa que tenha fé sabe que Deus está acima de todos e que o Brasil deve ser motivo de orgulho para todos nós. Reclamam de nosso presidente ter rompido com líderes de outros países, mas esses outros presidentes só querem nos explorar e, principalmente, tomar conta da Amazônia. Muitos estão felizes com a volta de Lula, comprovadamente, um ladrão, e que já começa a negociar para de novo fazer o Brasil refém dos países desenvolvidos. Tenho esperança que vamos descobrir irregularidades nas eleições, pois sabemos que foi roubada, e que Jair Bolsonaro permanecerá à frente da presidência para terminar de consertar esse país. Não podemos ser governados por essa corja, por esses pilantras da esquerda - conclui.
Quanta ignorância! Faz lembrar Castro Alves: "... E existe um povo que a bandeira empresta para encobrir tanta infâmia e covardia?"