PLC 136 – Solução dos problemas ou uma cidade loteada?
Atualizado: 24 de set. de 2021
Com a aprovação do PLC 136 projeto que transforma antigos casarões em espaços comerciais e a cidade, como um todo, pode passar por um processo de "lapanização"
Em nome da modernização nossas autoridades insistem em seguir uma máxima neoliberal: abandonam, sucateam, para com isso, se valerem do caminho, aparentemente mais fácil, que é o da privatização. O projeto de Lei Complementar PL 136 enviado à Câmara dos vereadores pelo prefeito Eduardo Paes e aprovado na terça (21), que volta para a sanção do prefeito é uma prova dessa realidade. A partir de agora, fica permitido que imóveis tombados ou preservados cultural e historicamente sejam utilizados para fins diversos do seu uso original.
No plenário da Câmara muitas queixas em relação à falta e discussão em relação ao PLC 136. Tainá de Paula (PT) argumentou que a sociedade não participou das discussões.
Por outro lado, Atila Nunes (DEM) defendeu as mudanças.
O projeto é extremamente polêmico, provocou muita discussão e recebeu 104 emendas. Uma das maiores preocupações é com o processo de gentrificação - que pode ser entendido como o processo de mudanças residenciais e padrões culturais, de um bairro, região ou cidade. Em síntese: é a substituição dos mais pobres por pessoas com maior poder aquisitivo que transformam totalmente a realidade local. A Lapa com todas as transformações que sofreu é um exemplo claro das mudanças causadas pela gentrificação.
Se em 2015 Eduardo Paes foi acusado de realizar um processo de remoção na cidade – principalmente na Vila Autódromo -, ele agora, se dizendo preocupado coma modernização da cidade mudou seus métodos e dá um golpe de mestre: em nome da transformação de antigos casarões abandonados - o que o carioca, de fato, detesta -, encontra como solução repassar o problema para a iniciativa privada.
Tudo leva a crer, que quem adquirir esses antigos casarões são as pessoas mais abastadas: empresários que comprarão com o objetivo de alugar ou os responsáveis pela exploração imobiliária que converterão esses antigos espaços residenciais em estabelecimentos comerciais aumentando consideravelmente o número de bares, restaurantes, hotéis, escritórios, academias.
Uma das principais criticas dos opositores da iniciativa é em razão de acreditarem que os pobres serão empurrados para as periferias da cidade como já aconteceu em outras ocasiões. Indagam ainda, a razão de não terem sido ouvidos arquitetos e ativistas ligados às questões habitacionais, urbanísticas e sociais. Acham também, que seria importante saber o que pensam os presidentes de Associações de Moradores e representantes das ocupações e dos próprios moradores que serão os principais atingidos. Ao que parece não foram ouvidos. Não tiveram vez e não tiveram voz.
Projeto Polêmico
Para Tarcísio Motta (PSOL) o projeto é complexo e deveria ter passado mais discussão. Na opinião de Reimont Otoni (PT) a iniciativa vai beneficiar a exploração imobiliária
A votação realizada na Câmara dos Vereadores foi muita foi polêmica e cercada de questionamentos. Na face dos 20 vereadores que se fizeram presentes no plenário da Câmara - os outros participaram de forma virtual -, não se percebia a convicção de que estivessem votando com domínio total sobre o assunto. Entretanto, o único que externou essa preocupação foi Tarcísio Motta. Reclamou que votava sem convicção, em razão da complexidade de um projeto que alterava substancialmente os parâmetros da cidade e, em razão disso, entendia que o assunto deveria ter sido mais discutido:
- Não deveríamos votar esse projeto nas condições que nos é oferecido. Não houve um estudo de impacto ambiental, de impacto sobre a vizinhança. Quais os problemas poderão ocorrer com essas mudanças. Sem as discussões necessárias a cidade perde como um todo – afirmou.
Opinião semelhante tinha a presidente da Comissão de Urbanismo Tainá de Paula (PT), que reclamou da falta de discussão e da realização de audiências públicas:
- Lamento profundamente que esse projeto não tenha sido debatido da forma que deveria e a sociedade não tenha tido a oportunidade de participar das discussões. Faltou diálogo com o Executivo, faltou a realização de mais audiências públicas. Estamos decidindo algo importante para a cidade sem que os moradores da cidade tivessem tido o direito de opinar. Não realizamos sequer estudos de impacto sonoro e os problemas ambientais que essas mudanças poderão trazer - comentou.
O vereador Pedro Duarte (NOVO) enalteceu o projeto que permitirá a cidade viver uma nova realidade: “Com esse projeto a cidade passará por profundas transformações. Não podemos mais conviver com casarões abandonados e em estado de ruínas. Será uma vitória de toda população carioca – enfatizou. Outro que saiu em defesa da PLC 136 foi Rogério Amorim (PSL), que, empolgado, acabou fazendo uma afirmação polêmica ao associar as ocupações dos antigos casarões a traficantes de drogas:
- Não há dúvidas que o projeto trará inúmeros benefícios. Muitos desses imóveis estão entregues à própria sorte e a prefeitura com essa iniciativa possibilitará a transformação para melhor de muitas áreas na cidade. Essa visão bucólica, romântica e bonita não resolve absolutamente nada. O que temos são casarões invadidos pelo tráfico – afirmou.
Pedro Duarte (DEM) e Rodrigo Amorim (PSL) entendem que
as mudanças serão benéficas à cidade
O vereador Reimont Otoni (PT) um critico do projeto, aproveitou a ocasião para alfinetar a ideia de seu colega de parlamento de que o tráfico ocupe as ocupações:
- Só quem não quer ver, só quem coloca uma venda sobre os olhos, finge não entender que esse projeto transita numa nebulosa. É mais uma sanha da exploração imobiliária. Quanto às declarações do vereador Rogério Amorim, penso que ele deveria se informar e acompanhar de perto a realidade das muitas famílias e das ocupações existentes na cidade, pois muitos traficantes não estão nas ocupações e sim nos palácios.
Santa Teresa e outros bairros temem um processo de "Lapanização".
Ao contrário da Urca e parte do Cosme Velho bairros retirados do PLC 136, os moradores de Santa Teresa acabaram frustrados, pois não conseguiram excluir o bairro, que é uma APA – Área de Proteção Ambiental - do projeto. O temor de muitos moradores de Santa Teresa é que o bairro com seu casario centenário, histórico e cultural passe por um processo de “lapanização”, onde acontece um verdadeiro vale tudo e as mazelas cada vez mais se acentuam.
Lapa sem o direito de dormir, de ir e vir. Mesmo em tempos de pandemia, pela
madrugada as casas sem tratamento acústico infernizam a vida dos moradores.
A preocupação dos moradores faz sentido, pois ao que parece, o prefeito Eduardo Paes, pretende agradar apenas aos investidores da exploração imobiliária e um pequeno grupo de donos de casas de shows e restaurantes. Essa postura acaba se transformando em algo extremante prejudicial à cidade e aos moradores. Nesse sentido, as Associações de Moradores da Urca, Cosme Velho e Santa Teresa têm razão em se mostrarem preocupadas com o caos que as mudanças podem trazer.
A promessa subjetiva de que as transformações, readaptações e flexibilizações estarão sobre o crivo da legislação existente e devem obedecer aos critérios do Conselho de Patrimônio do Município são extremamente vagas e não garantem absolutamente nada. O problema não é exatamente a transformação desses casarões, mas sim a ausência do poder público em organizar e ordenar as transformações que ocorrerem na cidade. Reconverter casarões em bares, casas de show, restaurantes, academias é fácil, difícil é coibir os transtornos que esses estabelecimentos trazem.
A permissividade do prefeito e dos órgãos da prefeitura com os “donos da noite” na Lapa é uma demonstração de total dessa falta de cuidado, omissão e competência da prefeitura em se buscar uma maneira de ordenar a cidade. Exemplos não faltam: a Secretaria de Ordem Pública, além de outros órgãos da prefeitura, agem como se os muitos problemas criados exatamente por muitos desses proprietários dessas casas de shows e restaurantes da Lapa não existissem.
A Guarda Municipal que deveria coibir o som alto age de maneira totalmente indiferente. Os órgãos de fiscalizações fingem não ver o amontoado de mesas e cadeiras espalhadas pelas calçadas impedindo que os moradores e transeuntes possam caminhar, a coleta de lixo desses estabelecimentos – normalmente jogados na rua -, deveria ser feita por empresas particulares, porém é feita por funcionários da Comlurb, uma empresa pública, paga com o dinheiro do contribuinte que tem atendido ao interesse de bares e restaurantes, estabelecimentos privados.
Lapa sem o direito de ir e vir: Pela manhã, os comerciantes entopem o bairro com lixo que produziram na madrugada. À noite, aproveitando o movimento, uns fazem cercadinhos com grades e outros espalham mesas e cadeiras pelas calçadas obrigando os transeuntes a
caminharem pelas ruas. No meio disso tudo, o prefeito Eduardo Paes autor do PLC
136, se mostra "animadinho" com o "sucesso" da Lapa e ignora os moradores
Indagado se muitos bairros não poderiam passar por esse processo da “lapanização” o vereador Átila Nunes líder do governo na Câmara e um dos principais defensores do projeto, se mostrou meio constrangido e numa resposta sem muita convicção comentou que com a aprovação da lei a esperança que todos os transtornos existentes com a regulamentação sejam fiscalizados e equacionados:
- Talvez a aprovação desse projeto seja a oportunidade para que alguns desses problemas que a cidade enfrenta sejam solucionados. Todas as transformações terão que passar por órgãos de fiscalizações e órgãos de tutela. Os critérios adotados pele projeto certamente beneficiará todos os bairros e, principalmente, aqueles que enfrentam os maiores problemas de ordenamento.
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