Resoluções da Audiência Pública animaram a manifestação do Marco 27
A Audiência Pública da ALERJ – Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro - realizada no ultimo dia 20, foi a principal fonte de ânimo e esperança para os moradores de Santa Teresa nas manifestações do denominado “Marco 27”, que ocorreram nesta sexta-feira, dia 27 de agosto, nas ruas de Santa Teresa. Para o bairro uma data marcante, pois se completavam exatos dez anos do trágico acidente ocorrido em 27 de agosto de 2011, quando seis pessoas morreram e outras 56 ficaram feridas.
Atendendo a pedidos dos moradores, a Audiência foi convocada pelos deputados Carlos Minc (presidente da Comissão de Contas), Eliomar Coelho e Dionísio Lins (que presidem respectivamente as comissões de Cultura e Transportes). O debate foi, de fato, animador. Durante as discussões e depoimentos, foram criadas várias alternativas que podem colocar um ponto final no desejo do governador Cláudio Castro que abriu um edital de privatização para os bondes.
Não é a primeira vez que um governador tem o desejo insano de vender o sistema de bondes – Antony Garotinho, Rosinha Matheus, Sérgio Cabral e Pezão - tiveram a mesma intenção. Também não é a primeira vez que os moradores se mobilizam para impedir a privatização. A polêmica, ao que parece, é uma questão insolúvel, pois por um lado o governador propõe um bonde moderno, e destinado, principalmente aos turistas e, por outro lado, os moradores desejam o bondinho tradicional, com preços populares que atenda principalmente aos moradores. Em meio a essa queda de braço só a justiça para encontrar uma solução.
E, vem exatamente da justiça, de uma Ação Judicial transitada e julgada umas das principais esperanças dos moradores: em 2008 a justiça bateu o martelo determinado que o governo deveria recuperar e restaurar todo sistema de bondes. O governo recorreu, mas em 2013 a decisão foi ratificada, logo após a tragédia dos bondes. Entretanto o governo vem criando mecanismos para ignorar, postergar e não é cumprir algo transitado e julgado.
Além de muitos moradores, a audiência contou com diversos parlamentares, dentre eles, os vereadores Lindergh Faria, Reimont Otoni Tainá de Paula, todos do (PT); Chico Alencar (PSOL); os deputados estaduais Carlos Minc (PSB); Eliomar Coelho (PSOL); Waldeck Carneiro (PT), Dionizio Lins (PTB) e a deputada federal Jandira Feghalli (PC do B). Além deles, participaram o promotor de justiça Felipe Pires Cuesta e do representante da Central de Logística Pedro Castilho
A principais resoluções tiradas da audiência foram as seguintes:
- Manter contato com a Justiça e o Ministério Púbico para estabelecendo um prazo para obrigar o governador do Estado a cumprir a sentença judicial de 2008, confirmada em 2011 para a recuperação e preservação total do Sistema de Bondes
- Criar PDLs - Projetos de Decretos Legislativos na ALERJ e Câmara dos Vereadores para questionar o Orçamento Publico do Estado e da Prefeitura e analisar as possibilidades de se investir no Sistema de bondes
- Criar mecanismos de sustar o edital de privatização e obrigar o Estado a cumprir as medidas judiciais
- Marcar um encontro com o governador Cláudio Castro e tentar sensibilizá-lo da importância do sistema de bondes para o bairro e para a cidade e, com isso, fazer investimento no sistema.
- Conversar com o prefeito Eduardo Paes sobre a possibilidade de municipalizar o bonde, caso esse seja o desejo dos moradores.
Criar uma linha de crédito na FAETEC - Fundação de Apoio à Escola Técnica – para treinamento de novos profissionais que pudessem trabalhar no Sistema de Bondes – Contatos com a direção da Instituição já foram feitos
Criar - uma Comissão Parlamentar reunindo vereadores e deputados para defender os interesses da preservação do Sistema de Bondes
Marco 27 – 10 anos sem o bonde
Quando às 11 da manhã desta sexta-feira, 27, na Estação da Carioca se iniciava as manifestações pelo “Marco 27”, a frase de um antigo funcionário da Central Logística - empresa que administra o Sistema de Bondes - resumia em muito a polêmica que se arrasta nos últimos anos: “Já vi esse filme. Esses caras são incansáveis. Eles não vão deixar esse bonde ser privatizado”. Falou e quase que implorou para não fosse identificado, certamente temendo represarias. Enquanto isso. O presidente da AMAST – Associação de Moradores de Santa Teresa -, Paulo Saad com um megafone na mão falava do desrespeito e da falta de consideração de nossos governantes para com os bondes e os moradores:
Paulo Saad fala na Estação da Carioca e Emmanuel dos Santos
recita poesia no lugar que aconteceu a tragédia
- Não querem um bonde universal, popular e que atenda os moradores. O que desejam é um bondinho moderninho, com preços absurdos e que atenda apenas aos turistas. O que o governo quer, na verdade, é um bibelô para turistas. Os moradores sempre conviveram bem com os funcionário dos bondes e essa harmonia, essa convivência é uma das razões do sucesso do sistema de bondes. A luta é pelo bonde, mas também é para preservar vidas. É pela saúde dos funcionários que recebem turistas de todas as partes do mundo e estão expostos. Nesse momento nós moradores queremos prestar homenagem ao Nelson Correa que se tornou nosso herói e ao amigo Crispin de Souza recentemente morreu de COVID
A fala de Saad foi aprovada pelos funcionários da Central que balançaram a cabeça positivamente em sinal de apoio e solidariedade. Solidariedade silenciosa, pois nenhum deles quis fazer qualquer declaração sobre a polêmica da privatização ou ao ato que estava sendo realizado. A resposta recorrente era: “desculpe, mas não posso falar”.
Um local de poesia, música e fé
Terminada a primeira parte das manifestações, por volta das 12h30 os moradores seguiram até á Rua Joaquim Murtinho, no local onde aconteceu a tragédia. Ali, num dos momentos mais marcantes da manifestação com direito a poesias, sambas que falavam dos bondes, declarações de amor ao bonde e ao motorneiro Nelson, além de falas emocionadas. O ator e diretor Cultural Emmanuel dos Santos embaixo de uma árvore de Pau Brasil plantada exatamente há dez anos em homenagem ao motorneiro Nelson exemplificou a importância da árvore e daquele local para os moradores:
- Certo dia eu estava aqui e um menino me perguntou:
- Moço que árvore é essa?
Respondi: É um Pau Brasil.
Ele então indagou: Que fruto essa árvore dá?
Pensei, pensei e respondi:
- Ela não dá frutos, ela representa frutos. O fruto da coragem, solidariedade, fraternidade, generosidade. Ela representa um homem que morreu aqui tentando salvar vidas.
Ele insistiu: dá mais o quê?
Mais uma vez pensei e prossegui:
Ela representa também indiferença, desrespeito, ganância. Essa árvore representa muita coisa.
Após a cerimônia no local da tragédia os moradores seguiram em passeata para o Largo do Curvelo, onde às 16h sairia uma passeata até o largo das Neves, um percurso de aproximadamente 2 Km. No Curvelo mais uma vez foi lembrada a luta dos moradores, o descaso dos governantes para com os moradores e o sistema de bonde e a insistente ideia de se privatizar os bondes. Por volta das 16h30 a passeata saiu do Curvelo em direção ao Largo das Neves.
Após se reunirem no local da tragédia, os moradores seguiram até ao Largo das Neves
O Largo das Neves, há dez anos sem ver o bonde passar se tornou no grande símbolo de luta desse Marco 27. Foi uma trajetória, uma passeata animada, com palavras de ordem e em defesa do principal símbolo de luta dos moradores. Na Praça do Largo das Neves, pessoas reunidas, músicas e um ato ecumênico inter-religioso.
E assim, mais uma vez os moradores se reuniram para o Marco 27, uma data extremamente importante para os moradores em defesa do maior patrimônio do bairro que são seus bondinhos. Como bem definiu a deputada Jandira Feghali o bonde é extremamente importante, pois "consegue representar uma trajetória, um trajeto de afetos".
Largo das Neves após um culto inter-religioso onde aparecem a reverenda Inamar Correia da Igreja Anglicana e o budista Antônio Rocha, ficou no ar a pergunta: "Cadê o bonde da Paula Mattos"?
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